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montesclaros.com - Ano 25 - segunda-feira, 18 de novembro de 2024
 

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Mensagem: (Do livro ´Por Cima dos Telhados, Por Baixo dos Arvoredos´ - Parte 75)

O CAIXEIRO

Ser caixeiro de loja de tecidos e armarinho era uma das boas opções de trabalho para os jovens nas comunidades urbanas do interior, até as primeiras décadas do século passado.
O emprego era modesto e mal remunerado, mas revelava-se, ao mesmo tempo, verdadeira escola de vida. O caixeiro tinha a oportunidade de conviver com toda a comunidade, inclusive com as moças mais bonitas e mais ricas do lugar. Muitos namoros e casamentos nasceram nos balcões das lojas.
Eram tempos de costumes rígidos. As moças eram criadas sob o jugo paterno, voltadas para os trabalhos caseiros e para a religião. Os pais diziam: “lugar de moça solteira é dentro de casa, ajudando à mãe.”
A imensa maioria da população era pobre. Mas de uma pobreza sem miséria, equilibrada e digna.
A população era melhor distribuída entre as cidades e o campo. Não havia o consumismo de hoje. E não faltava trabalho para quem quisesse trabalhar.
Havia, sem dúvida, pessoas que se destacavam por suas posses materiais. Eram geralmente fazendeiros e comerciantes.
Nesse universo humano, o caixeiro de loja era de certa forma um privilegiado. A atividade comercial aprimorava seus conhecimentos. O caixeiro aprendia a conversar com desembaraço e estava sempre a par dos acontecimentos, pois as casas comerciais eram pontos de reunião e discussão das novidades. Ele era recomendado a ser atencioso e afável no atendimento aos fregueses. E assim procedia, inclusive com as moças do lugar, ao mostrar-lhes bonitos tecidos e outras mercadorias.
“Você fica mais bonita com vestidos desta cor”. “Para você, que tem os olhos verdes, fica muito bem esta correntinha de ouro”. E assim por diante.
Acontecia, às vezes, o namoro iniciado no balcão ganhar corpo e prosseguir nos bailes, nos piqueniques, nas saídas da igreja e em locais de lazer da comunidade. A brincadeira estava ficando séria. Muitas vezes acontecia evoluir para paixão. De ambos os lados.
Quando a namorada também era pobre, o casamento se realizava sem maiores transtornos. Muitos de nós, que nascemos no interior, viemos desses casamentos.
No caso das filhas dos comerciantes e dos fazendeiros, por comum os pais já tinham em mente algum parente, dali mesmo ou de outra localidade, ou filho de um compadre, ainda que a moça pouco os conhecesse. Ou um jovem médico ou advogado, ou outros profissionais de bom nível, se os houvesse na comunidade. Enfim, os pais encontravam sempre um marido conveniente para a filha, como era tradicional e de sua obrigação.
“O caixeiro é um bom rapaz”, eles diziam “Mas sem condições de constituir família. É ainda muito novo. E é meio malandro. Gosta de jogar bola e tocar violão. Isso não ajuda a criar família e nem leva ninguém pra frente. São coisas de quem não tem vontade de vencer na vida”.
Criava-se uma situação de muito choro e sofrimento para a moça e de frustração para o rapaz. Mas os pais sempre tinham razão. E o casamento se fazia a seu gosto. E dava certo. Para aqueles tempos. Alguns de nós, em muito menor número, descendemos desses casamentos.
E o rapaz?
O rapaz ficava de asas caídas, por algum tempo. Era nessa fase traumática que nasciam as modinhas apaixonadas. Poemas de dor, de inconformismo. Mensagens de amargura endereçadas ao coração da pessoa amada.
Muitas dessas desditosas mensagens conquistaram o agrado público e chegaram até nós pelo restolhar do tempo. Algumas não obrigatoriamente criadas pelos caixeiros, mas dentro da linha emocional das que eles próprios compunham.
Mais tarde o rapaz casava-se com uma jovem de seu meio. E a comunidade passava a ter mais uma família constituída. E o mundo mais um filósofo.

(continuará, nos próximos dias, até a publicação de todo o livro, que acaba de ser lançado em edição artesanal de apenas 10 volumes. As partes já publicadas podem ser lidas na seção Colunistas - Luiz de Paula)

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