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Mensagem: Velho casarão da FafilRuth Tupinambá Graça Abrindo o Jornal deparei-me com uma boa notícia; a Restauração do “Velho Casarão da Fafil”. Fiquei felicíssima. Entristecia-me vê-lo, através de fotografias nos jornais, em tamanha decadência. Graças a sensibilidade do Secretario de Estado da Cultura Ângelo Oswaldo, desencadeando uma campanha para restauração do Casarão na qual Walduque Wanderley, demonstrando o grande amor a sua terra foi o primeiro a aderir em generosa doação em dinheiro para início da referida reforma. E no dia 18 de agosto de 1999 na Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais foi realizada a assinatura do convênio entre a Construtora Cowan e a Unimontes com intervenção da Secretaria da Cultura, do IEPHA (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico). As obras foram iniciadas mas a passo de tartaruga... pela falta de verbas do governo. Resolvi então mostrar (principalmente aos montesclarense de coração) que ele não é apenas um sobrado em decadência, um sobrado qualquer, ele tem uma história muito bonita e que deve ser conhecida e reverenciada. Este Casarão pertenceu ao Cel. José Antônio Versiani, chefe de uma das principais famílias tradicionais da nossa cidade. A sua construção (edificada na Rua Cel. Celestino n° 45) começou em 1886, mas só em 1989 foi terminado e inaugurado com uma pomposa solenidade, inclusive uma “missa campal” celebrada pelo então vigário do senhor do Bomfim (hoje Bocaiúva) Cônego José Maria, Tio do proprietário. Nesta época em que a cidade não contava com engenheiros, máquinas apropriadas para construções, nem mesmo transporte fácil, este sobrado foi uma bela construção e até com certo luxo. Ainda me lembro dos detalhes das grandes e maciças portas, na pura madeira de lei, torneadas e com lindíssimo trabalho em florões; caprichadas venezianas, forros de largas taboas, com pintura de duas cores. No grande salão da frente, com nove portas, sacadas de ferro trabalhadas em arabescos, com desenhos interessantes. Este salão era original, o seu teto chamava atenção. Bem no centro, sobreposto ao forro, um enorme sol com grandes raios, de cor diferente, talhado em madeira, e no centro do mesmo, protegido por um vidro, uma fotografia da família do Cel. José. Este detalhe dava uma nobreza àquele salão onde a família se reunia com visitas nas noites festivas e também para os saraus daquela época. A cidade foi crescendo e para a instalação da Escola Normal (recém-criada) precisava de um prédio, grande exigência do Governador de Minas. Em 1896 o Cel. José Versiani, num gesto de solidariedade, cedeu o seu sobrado ao Governo para instalação da primeira Escola Normal de nossa cidade, mudando-se com sua família, para a Rua Bocaiúva (hoje Dr. Santos). Em 1905, esta Escola foi impiedosamente cortada pelo nosso Governo, causando enorme prejuízo à população montesclarense. Entretanto, o Cel. José Versiani, mais uma vez, se sacrificou cedendo-o aos Cônegos Premonstatenses, recém-chegados a Montes Claros. Este gesto do Cel. Foi bem recompensado pois estes Padres muito fizeram pela cultura e progresso de nossa terra, fundando o “Clube Dramático São Genesco”, “Clube Literário Monte Alverne”, com excelente Biblioteca, Posto Metereológico, Museu etc, onde a juventude montesclarense poderia aprimorar seus conhecimentos. Mais tarde com a necessidade de uma Escola Pública, onde todas as crianças tivessem acesso, a Câmara Municipal, com a boa vontade do seu Presidente, comprou o sobrado por 30 contos de reis (moeda da época). O prédio foi cedido pela Câmara ao Governo Estadual e no dia 22/07/1909 nele se instalou, o Grupo Escolar Gonçalves Chaves, o 1° de Montes Claros, sendo o seu 1° diretor o Sr. José Rodrigues Prates Júnior. Mais tarde esta Escola mudou-se para a Praça Dr. João Alves, onde funciona até hoje em prédio próprio. A Escola Normal que foi tão injustamente fechada pelo Governador, foi equiparada mais tarde pelo decreto 6.670 no Governo de Melo Viana, instalando-se no “Casarão” recebendo o nome de “Escola Normal Dr. Melo Viana”. Em 1928 Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ganhando a eleição, em represália (ao Dr. Melo Viana) mudou o seu nome para “Escola Normal Oficial de Montes Claros” pelo dec. 8.245 em 18/12/28. Esta Escola funcionou maravilhosamente, muitos anos, proporcionando educação e cultura a milhares de Montesclarense. Sabemos que grandes inteligências e brilhantes escritores de nossa terra passaram pelos simples bancos desta Escola: Cyro dos Anjos, Darci Ribeiro, Hermes de Paula, Darci Bessoni, Cândido Canela, Mário Ribeiro, Manuel Higino, Simeão Ribeiro, Felicidade Tupinambá, e muitos outros, com professores dedicados que lutaram pela cultura de nossa cidade, pouco se ligando para as “cifras”. Eram advogados, médicos, engenheiros ocupadíssimos, entretanto, as aulas e o compromisso com os alunos eram sagrados e na hora certa lá estavam eles: Dr. Plínio Ribeiro, Dr. Alfredo Coutinho, Dr. José Thomaz, Dr. Marciano Maurício, Dulce Sarmento, Prof. João Câmara, Dona Nieta Veloso, Dona Joana D’Arc Veloso dos anjos e outros. Eu freqüentei esta Escola. Lá fiz o Curso de Magistério, com muito orgulho. Este “Casarão” me traz grandes recordações. Levantando as teias de aranha (cortina do passado) eu me vejo adolescente, cheia de sonhos e esperanças quando freqüentava aquela Escola nos “anos 30”. Eu me sentia orgulhosa e feliz como se estivesse cursando grande Faculdade da Inglaterra, França, Estados Unidos. Cheia de entusiasmo que queria aprender tudo, fazendo planos, para o futuro, galgar um Curso Superior. Eu me recordo de tudo como se estivesse vendo um filme do passado: Cada cantinho daquele “Casarão me traz recordações significativas que marcaram minha infância, adolescência e juventude. Neste eu fiz o primário, o curso Normal (professora) e mais tarde (com 60 anos) eu fiz a Faculdade de Pedagogia, na “Fafil” recém-inaugurada. As conversas, no recreio, com as colegas, quando alegres e esperançosas trocávamos confidências, falávamos dos namorados das conquistas, as paixões, dos beijos que não foram dados e que morreram nos lábios... As comemorações cívicas, os piqueniques, as serenatas, os teatros da Escola, onde éramos as grandes artistas. O “Chá Dançante” que a professora Dulce Sarmento promovia (todos os domingos) para pagar o piano, comprado corajosamente por ela, para melhorar nossas aulas de música e Canto Coral. E pensar que este “Casarão”, com seus nobres salões (que hoje são apenas caricaturas) se tornou, mais tarde, o ponto de concentração de toda a sociedade montesclarense, visto não existir, ainda, Clube Social na nossa Terra. Lá se realizaram festas saraus. Era lá os “célebres bailes” em benefício da Caixa Escolar, que saudade! Foi num destes que conheci o meu “Príncipe”... Esperávamos com ansiedade, Mês inteiro, passando ingressos, era obrigação das alunas. O salão da frente era unicamente ornamentado com flores artificiais (não existia floricultura) e o assoalho de taboas largas era esfregado com as folhas ásperas de sambaíba e lustrado com raspas de velas, para que os pares, se deslizassem melhor, ao som das valas. As belas sacadas de ferro nas portas da frente eram o refúgio dos namorados. Por trás das pesadas cortinas as atrevidas mãos se entrelaçavam e sob o olhar terno das donzelas, as juras de amor, enquanto os outros casais se rodopiam ao som das valas dolentes executadas pelas ágeis mãos da professora Dulce, o sax do Tonico de Nana, o bandolim do Ducho e a clarineta do Adail Sarmento. Tocavam a noite inteira gratuitamente. Sentiam-se felizes com a alegria dos casais e prestigiando nossa Escola. Quantos namorados começaram naqueles animados “bailes”, floresceram e se concretizaram em casamento, graças ao romantismo e o ambiente acolhedor daquele magnífico sobrado, formando as tradicionais famílias de nossa cidade, que ainda existem hoje na multiplicação dos filhos, netos e bisnetos. E o “Casarão” continuou, por muito tempo, de coração aberto, recebendo a sociedade montesclarense e paralelamente a escola Normal Oficial, recebendo alunos instruindo-os e educando-os. Mas, o “espírito de porco” da politicagem enganosa, quando o Dr. Benedito Valadares, Interventor do nosso Estado, resolveu suprimi-la (ninguém sabe porque) pelo dec.N° 65 de 15 de janeiro de 1938. Foi o ato mais absurdo que um governo poderia praticar, prejudicando totalmente a cidade. No ano seguinte o “Casarão” (desocupado) e como uma “galinha de longas asas” transformou-se em abrigo de imigrantes que, fugindo da seca do nordeste lá encontravam abrigo enquanto aguardavam “passes” da Prefeitura ou de seus agenciadores, para seguirem, com as famílias, para São Paulo. Em 1947 foi requisitado para funcionar o Grupo Escolar Carlos Versiani, enquanto durou a reforma da referida escola. Em 1949, no Governo de Milton Campos a escola Normal Oficial de M. Claros voltou a funcionar novamente, (no “Casarão”) graças ao esforço do Dr. Plínio Ribeiro, (Deputado Estadual na época) até sua mudança para a Av. Mestra Fininha, terreno doado por Dr. Plínio, onde funciona até hoje. Na década de 60 foi sede da Faculdade de Ciências e Letras (Fafil) o primeiro Curso Superior de Montes Claros, embrião da atual Universidade de Montes Claros Unimontes que mudando-se mais tarde para o Campus Prof. Darcy Ribeiro, em instalações próprias, vem crescendo dia a dia (graças ao magnífico trabalho do Reitor Paulo César Gonçalves de Almeida) para a felicidade da juventude e orgulho da nossa cidade. Com esta mudança o “Casarão da Fafil” (como ficou apelidado) caiu em completa decadência, demonstrando visíveis estragos em sua estrutura física, descaracterizando pela ação do tempo e dos vândalos. Confesso que doía-me vê-lo desmoronar ano após ano. O esqueleto do velho Casarão está firme, por incrível que pareça, para mostrar que ainda existe uma centelha de amor e doação que continuará beneficiando nossa terra e preservando (á duras penas) o seu passado glorioso retratado neste patrimônio de inestimável valor histórico para nossa terra. É inegável o trabalho, esforço e dedicação do Reitor da Unimontes Paulo César G. Almeida, para que se realize o grande sonho: o “Casarão” todo reformado e nele o Museu Histórico Regional funcionando, beneficiando nossa comunidade e de cidades vizinhas. Que esta realização não se demore muito para que eu possa aproveitar, desta vitória, e a alegria de ver o meu querido “Casarão” recuperado, (fazendo jus ao que tanto doou no passado) e lindo como o conheci na minha infância, adolescência e juventude.(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).
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