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montesclaros.com - Ano 25 - quinta-feira, 7 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Bendito Casarão da Fafil

Ruth Tupinambá Graça

Há momentos em nossa vida que não encontramos palavras para traduzirem o que sentimos e o que vai em nosso coração. Foi o que realmente me aconteceu na reinauguração do centenário Casarão da Fafil.
A escada para o segundo pavimento de madeira de lei e o corrimão artisticamente trabalhado (cópia perfeita do antigo) eu fiquei emocionada, recordando-me das milhares de vezes que eu subia e descia aquela escada correndo numa alegria e curiosidade infantil procurando descobrir o que se passava lá em cima nos enormes salões.
Confesso que senti muita saudade. A Fely do meu lado percebeu a minha emoção e perguntou-me: “Dona Ruth a senhora quer ir lá em cima, para matar a saudade?”
Apesar dos meus 93 anos, eu aceitei o convite só que subi muito devagar, degrau por degrau, (as pernas já não são as mesmas) mas a alegria de rever aqueles lugares tão queridos e que tantas recordações me traziam, deram-me forças e consegui.
Percorri todos os cantinhos (e foram tantos) e as lembranças afloraram no meu velho coração, que quase chorei com saudades do que ali passei na várias fases da minha vida.
A minha infância dos 7 aos 14 anos, quando a vida se abria para mim, iniciando ali o meu curso primário no Grupo Escolar Gonçalves Chaves que ali se instalara, até sua mudança para prédio próprio na Praça Dr. João Alves onde funciona até hoje.
Esta foi a primeira etapa da minha vida de estudante e estudante. Eu era apenas uma criança sem maldade, inexperiente, deixando, pela primeira vez, a casa, a família, os brinquedos, para enfrentar uma nova vida, cheia de responsabilidades. Eu estava assustada, insegura. Mas este Casarão acolheu-me, como uma Galinha de longas asas, agasalhando-me, protegendo-me e naquele ambiente tão agradável eu me adaptei logo. Foi um tempo feliz. Tive professores responsáveis, dedicadas, carinhosas. Quando eu já estava na terceira série, (eu me lembro) a minha professora Dona Eponina Pimenta convidava-me para tomar um cafezinho gostoso acompanhando de biscoitos.
Caseiros que a empregada trazia-lhe todos os dias. Naquela época não existia a merenda nas escolas como hoje, então eu adorava aquele convite. Estas lembranças jamais esquecerei, em qualquer parte que eu esteja, ou melhor, que eu viva”!
Fiz um primário bem feito, que me deu base para prosseguir, com sucesso, as outras etapas.
Os anos passaram. A Escola Normal Oficial de Montes Claros foi criada funcionando no mesmo Casarão chegando então a minha vez de fazer o Curso Normal (magistério) era o que a nossa cidade podia oferecer a juventude nos “anos 30”.
Foi o melhor tempo da minha vida. Eu era alegre, sonhadora e tudo me divertia. Recordo-me com saudade das minhas colegas, as conversas no recreio, os segredinhos sobre as conquistas e os namoricos os sucessos e as decepções, todas no auge da juventude e o coração cheio de sonhos e esperanças. E os “Bailes” em benefício da Caixa Escolar eram freqüentes nos grandes salões do Casarão (não havia Clube Social em nossa cidade) eram esperados com a maior ansiedade pois era a única oportunidade de se encontrar com o namorado e dançar de “rosto coladinho” pois, naquele tempo em que tudo era proibido e “pegava mal” às donzelas, isto era uma grande aventura, pois os pais eram muito severos.
Mas muitos namoros começados nos Bailes do Casarão floresceram e realizaram-se em casamentos formando as tradicionais famílias da nossa cidade, das quais existem hoje muitos netos e bisnetos. Eu mesma conheci o meu “Príncipe” num deste bailes, naqueles momentos alegres e românticos.
Hoje fecho os olhos, e procuro me recordar sempre do nosso primeiro encontro. Estas sacadas tão bonitas que vi reconstruídas foram testemunhas das nossas juras e do nosso amor. Nos casamos, mudamos para Belo Horizonte onde moramos dez anos. O destino trouxe-nos novamente para nossa terra. Nestas alturas a Faculdade de Ciências e Letras de Montes Claros estava inaugurada e funcionando no velho Casarão. Cheia de entusiasmo resolvi fazer faculdade. Foi o meu terceiro contato com este Sobradão maravilhoso onde passei minha infância, parte da minha juventude e finalmente o período mais gratificante da minha, já com 56 anos.
No dia da minha formatura em 1976 com 60 anos, ao lado do meu marido, rodeada pelos filhos e netos recebi o diploma de Pedagogia.
Acredite quem quiser, mas eu tenho razão de “paparicar” esse Casarão, ele fez parte da minha vida.
Estou realizada, vendo-o agora lindo, maravilhoso (como conheci no passado) e espero que nele se instale logo o Museu Regional do Norte de Minas, para que eu possa, mais uma vez, usufruir do seu convívio e dele receber as melhores informações.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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