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Mensagem: Era início da década de 80, eu viajava de Juazeiro do Norte para Crato, no Ceará. Ao lado, a cerca de duas poltronas a frente da minha, viajava pensativo o poeta Patativa do Assaré. Apesar do calor que fazia, trajava uma camisa de mangas compridas posta sobre uma camiseta branca; usava ainda óculos escuros e seu olhar, embora coberto pelos óculos, parecia distante. Junto aos seus pés levava uma galinha com as pernas presas por um barbante. Vez por outra o movimento dos seus pés tocava a galinha e ouvia-se um piado fraco, quase inaudível. Aos poucos o cobrador veio chegando. Apoiou as costas na poltrona e pôs-se a tirar os bilhetes ali mesmo, foi quando percebeu a galinha aos pés de Patativa. Num tom bastante nervoso falou: “Ou você desce e põe a galinha no bagageiro do ônibus ou vai ficar no meio da estrada com a sua galinha”. Antes que eu ou qualquer outro passageiro pudéssemos nos oferecer para ajudá-lo, o próprio Patativa levantou-se e, após o cobrador mandar parar o ônibus, colocou a ave no bagageiro. Depois voltou e sentou-se humildemente na mesma poltrona para seguir viagem. Fico pensando o que eu teria dito se fosse o Patativa, talvez: “Você sabe com quem está falando?”, ou mesmo, “Você fale com respeito quando se dirigir ao maior poeta de improviso do mundo”. Porém, Patativa, jamais falaria algo assim. Faz parte das mentes geniais serem humildes. Não foi Olavo Bilac quem escreveu em um dos seus poemas “Mais vale o mérito próprio,/ sentir, guardar e ocultar,/ porque o verdadeiro mérito/ não gosta de se mostrar”. Fosse só isso as agruras que enfrentou; a vida nada fácil de agricultor sertanejo lhe preparou outras surpresas. Uma delas foi quando tentou pagar o seu imposto rural na prefeitura de Assaré. Após inúmeras viagens do seu sítio até a prefeitura e encontrá-la sempre fechada recitou na calçada do paço municipal: Nessa vida atroz e dura/ Tudo pode acontecer/ Muito breve há de se ver/ Prefeito sem prefeitura;/ Vejo que alguém me censura/ E não fica satisfeito/ Porém, eu ando sem jeito,/ Sem esperança e sem fé,/ Por ver no meu Assaré/ Prefeitura sem prefeito. Por não ter literatura,/ Nunca pude discernir/ Se poderá existir/ Prefeito sem prefeitura./ Porém, mesmo sem leitura,/ Sem nenhum curso ter feito,/ Eu conheço do direito/ E sem lição de ninguém/ Descobri onde é que tem/ Prefeitura sem prefeito. Ainda que alguém me diga/ Que viu um mudo falando/ Um elefante dançando/ No lombo de uma formiga,/ Não me causará intriga,/ Escutarei com respeito,/ Não mentiu este sujeito./ Muito mais barbaridade/ É haver numa cidade/ Prefeitura sem prefeito. Não vou teimar com quem diz/ Que viu ferro dar azeite,/ Um avestruz dando leite/ E pedra criar raiz,/ Ema apanhar de perdiz/ Um rio fora do leito,/ Um aleijão sem defeito/ E um morto declarar guerra,/ Porque vejo em minha terra/ Prefeitura sem prefeito.” Não teve perdão. Falar de uma autoridade municipal assim era um desrespeito a lei e a pena tinha que ser a cadeia. Não deu outra, por desacato a autoridade política, o policial local o conduziu a cadeia, tendo sido trancafiado em uma cela. Para um simples mortal, certamente a reação seria de resistência, de indignação, de esbravejamento, de vociferação. Para Patativa não, a reação foi de serenidade, de resignação, e só aguçou a sua sensibilidade, pois o que fez nos penetra a alma, senão, vejamos. Da cela onde se encontrava recolhido ele pôde avistar uma gaiola com uma Patativa (agora o pássaro) e fez o seguinte poema: Patativa descontente,/ Nesta gaiola cativa/ Embora bem diferente/ Eu também sou Patativa. Linda avezinha pequena,/ Temos o mesmo desgosto,/ Sofremos a mesma pena/ Embora, em sentido oposto. Meu sofrer e teu penar,/ Clamam a divina lei:/ Tu, presa para cantar,/ Eu, preso porque cantei”. Eu poderia me estender por mais algumas laudas para contar histórias de Patativa, porém, para não abusar da paciência do leitor, vou ater-me a mais uma somente. Contam que um repórter do Jornal Diário do Nordeste de Fortaleza dirigiu-se a Assaré para uma entrevista com Patativa. Logo que chegou, ligou o gravador e disse: “Patativa faça um improviso sobre qualquer coisa para iniciarmos a nossa conversa”. E ele falou: Gravador que estás gravando/ aqui no nosso ambiente/ tu gravas a minha voz/ o meu verso e o meu repente/ mas gravador tu não gravas/ a dor que o meu peito sente. Tu gravas em tua fita/ com a maior perfeição/ o timbre de minha voz/ e a minha própria expressão/ mas não grava a dor grave/ gravada em meu coração. Gravador tu és feliz/ e ai de mim o que será/ Bem podes ter desgravado/ o que em tua fita está/ e a dor do meu coração/ jamais se desgravará”. Alguns poemas seus foram transformados em músicas. Seguem algumas belas interpretações de Luiz Gonzaga, Gonzaguinha, Mayck e Lyan. Triste Partida (http://www.youtube.com/watch?v=0s4BbHxpUKY) Vaca estrela e boi fubá (http://www.youtube.com/watch?v=Xdgot5Cgwpk) Em tempo: eu já sei o que eu teria dito ao cobrador do ônibus se eu fosse o Patativa do Assaré “Mexe com o poeta não moço”.
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