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Mensagem: A FOME DO LEÃO DE ADAUTO Wanderlino Arruda Quem sempre inventou o maior número de lances da estória do circo pobrezinho é o Adauto Freire. De minha parte, tenho dado a maior contribuição de que sou capaz, mas, nunca consigo ter tanta imaginação como ele, a cada tempo com um novo colorido, um detalhe, uma figuração mais humana para dar mais crédito à criatividade. A estória já tem uns vinte anos e, contada e recontada, principalmente para colegas e ex-colegas do Banco do Brasil, dá sempre um sabor novo e um halo de simpatia. A Raquel por muito tempo deliciou-se com os eventos, no trabalho e em casa, pois o Rafael e o Rodrigo, quando meninos, especializaram-se em armar circos de brinquedo só para fazer o leão urrar com depressão e tristeza. Paulinha, Paulo Sidônio, Maninho, Elizena, Mariazinha, Consuelo, mais sérios, sempre perguntaram até onde podia uma coisa dessas acontecer. Realmente, era um circo bem pobrezinho, muito embora dotado de bom palhaço, de artista comedor de fogo, de trapezista loura, baleiro, tratador do leão. A trapezista era a vendedora dos ingressos quando achava alguém com coragem de comprá-los. O tratador do leão era o mesmo encarregado da pirofagia, isto é, o lambedor das labaredas, e o vendedor de caramelos e de chicletes. O palhaço acumulava também a função de dono e gerente da companhia. Como vemos, pouca gente, que em condições normais seria fácil de se manter. A verdade, porém, era uma lástima, um miserê dos capetas, como diria nosso prefeito Luiz Tadeu Leite nos tempos em que era ainda radialista na D7, com a boca no trombone. Com o correr do tempo, passada a primeira semana com assistência normal, o circo virou uma verdadeira escola de sacrifícios, a fome chegou solta e para valer, privação total, salva apenas por dois pés de manga rosa bem em frente à bilheteria. O palhaço de tão pálido de desnutrição já nem precisava usar tinta amarela nem branca, no que ele aproveitava para fazer economia na pintura do rosto, bastando o vermelho, o preto e azul. Durante o dia, empregou-se como vaqueiro num sítio próximo e, nas horas vagas, trabalhava como embrulhador num supermercado. A trapezista foi ser empregada para almoço e jantar na casa do médico, fazendo ainda uma fezinha como lavadeira no tempo de descanso. O tratador do leão foi ser raizeiro no mercado, principalmente no horário de dar comida, pois, já não agüentava mais os lamentos do bicho, que a todo momento urrava - ´e lugarrrr´. Difícil mesmo era a situação dos meninos, filhos da necessidade com cara de herege, deitadinhos e coitados, de barriga para cima, perto das mangueiras, quando viam uma manga já com um pouco de brilho, subiam correndo tronco acima, e as virava para tomar sol do outro lado e amadurecer mais depressa, enquanto a fome não fosse de morte. Quando a situação ficou mesmo com o absoluto de pobreza, a metade da cobertura foi vendida para lona de caminhão carvoeiro e as tábuas das arquibancadas foram cedidas a preço de custo para tapume na construção de um grupo escolar da prefeitura. O mais engraçado, na falência da empresa, foi feito com o leão, e isso o Adauto sempre afirmou ser testemunha ocular: passaram sabão de coco com água no corpo da fera, fizeram a barba de alto a baixo e o venderam como cachorro para um comerciante de Montes Claros, cidade-sede da região... Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros
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