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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 6 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Crônica de Natal Montes Claros, dezembro de 1949 HAROLDO LIVIO Foi uma aventura que aconteceu, há sessenta anos, entre o Natal e o Ano Novo. Então, o menino de onze anos veio das Contendas, trazido pela mamãe, em tratamento de saúde, com um pedido de exame de fezes, sangue e urina assinado pelo Dr. Francisco Florentino Diniz Pacheco, que foi uma sumidade em clínica geral. Passado tanto tempo, seis décadas precisas, é humanamente impossível reconstituir, na mente de um idoso cansado, todas as impressões que o garoto de ontem conseguiu guardar nos arcanos da memória. Obviamente, não é possível relatar, com minúcias e particularidades, tudo que viu e ouviu, como faz, prodigiosamente, a novel memorialista Raquel Souto Chaves, descrevendo cenários e passagens de sua meninice, que ainda nem teve tempo de virar saudade, porque ontem para ela representa o que ainda consideramos hoje, o dia corrente. Falar de uma aventura fantástica que sucedeu há sessenta anos requer muito mais fosfato. O menino e sua mamãe ficaram hospedados na Pensão Ribeiro, na Rua Justino Câmara, que primava pelo asseio e pela mesa farta, de pratos saborosos. Foi lá que o menino tomou o primeiro banho de chuveiro de sua vida, uma vez que em sua cidade a água ainda era apanhada no rio, em potes, e imperava o costume secular do banho de bacia. Lembra-se de que encontrou dificuldade para controlar o registro e acabou tomando banho de botinas e dando trabalho à mamãe. No dia seguinte à chegada, foram ao laboratório do Dr. Hermes de Paula, que funcionava onde hoje está o Café Galo, e ele ficou conhecendo o famoso médico e historiador e o local em que, tradicionalmente, encontra os amigos para o bate-papo matutino. Causou especial impressão ao menino o tamanho da cidade, com vários prédios de dois pavimentos, com ruas movimentadas, cheias de transeuntes, muitas bicicletas e carros. Andar pelas ruas da cidade de cerca de 30.000 habitantes já exigia cuidado e atenção. Atualmente, está difícil manter a cidade limpa, por motivos que todos conhecem, mas a Montes Claros de 1949 era uma cidade que se impunha ao visitante pelo aspecto de limpeza e higiene que se via por toda parte, exceto na feira de sábado, nos arredores do mercado municipal. Havia variedade de vitrinas de boa apresentação, nas lojas do Centro, contudo, guardou forte impressão do que viu na Casa Luso-Brasileira, de Ramos & Cia., e na Loja Americana, de Waldir Nascimento Bessa, que poderia ter se transformado numa rede de lojas cobrindo o país inteiro, se a expansão da firma não tivesse sido interrompida por uma tragédia. De tudo que admirou, acredite o leitor, o que mais o encantou foram os postos de gasolina, especialmente a lavagem de veículos com mangueira de alta pressão, que para ele o m aior espetáculo da tecnologia. Em sua terra ainda não havia chegado essa novidade do século XX. A Catedral, desafiando as alturas e dominando o panorama do casario baixo, o deixou extasiado. Até hoje, quando vê o templo, não se cansa de admirar a eterna majestade do belo edifício, que causa impacto a quem o contempla. Lembra-se, nitidamente, de que foi ao Cine Coronel Ribeiro, em sessão noturna, acompanhado do Sr. Chiquinho Oliveira, conterrâneo amigo, porém nada se lembra do filme visto, muito embora se lembre de um cartaz, no corredor de saída, anunciando o próximo filme, “Quem casa, quer casa”. Este é mais um mistério da mente humana...Achou o cinema confortável, principalmente porque não era preciso levar a cadeira de casa. (Em sua cidade, havia um cinema em fase experimental, e o dono ainda não havia comprado a mobília, de modo que o expectador ou ficava de pé ou trazia a cadeira). Depois da sessão de cinema, conheceu sorvete, no Bar Soberano. É claro que achou uma delícia, bem melhor que o picolé feito em geladeira a querosene, que já conhecia.Realmente e em poucas palavras, foi um verdadeiro banho de civilização, que acrescentou prática ao conhecimento teórico de um escolar que acabara de concluir o terceiro ano primário, no ano do centenário de Castro Alves, o poeta dos escravos. Naquele ano, o livro de leitura foi a biografia do imortal autor de “Vozes d’África”. Em suas andanças pela cidade, pode ter cruzado caminho com outros meninos que viriam a ser seus grandes amigos, alguns anos depois. Pode ter passado por Rey Souto, por Cerdônio Quadros, Wilson Dantas, Marinho Rodrigues, Waldyr Senna Batista, Zé Parrela, Joãozinho Albuquerque e outros tantos que foram, mais tarde, seus colegas de estudos e de trabalho. O premiado jornalista Paulo Narciso nasceria somente oito meses depois, no Ano Santo de 1950; em agosto, para ser ungido catopê do terno de São Benedito. Luís Carlos (Peré) Novaes e Raquel Mendonça só viriam a existir quatro anos mais tarde. No vaivém da multidão, na Rua Quinze ou algures, poderia ter visto o moço Luís de Paula, no viço dos trinta e dois anos, Cândido Canela, Godofredo Guedes, João Chaves, Dulce Sarmento, Nelson Vianna, João Valle Maurício, Konstantin Christoff e outras celebridades locais, mas o menino nunca ouvira falar de tais pessoas. Para ver o atual romancista Flávio Pinto, teria de ir à sua casa, na Rua Lafetá, levando um brinquedo pedagógico indicado para um pequerrucho de três anos. Muito dificilmente poderia ter tido a primeira visão de sua futura consorte, Maria do Carmo, uma meninota de seis anos que não saía sozinha à rua, como era de bom costume naquela era. Não é preciso dizer que o menino de 1949 regressou ao lar felicíssimo, com o mesmo deslumbramento de um menino de 2009 que acaba de chegar do Natal na Disneylândia

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