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Mensagem: As uvas (casa) de Elvira Silveira; Ainda reconheço no semblante trêmulo de tia Elvira o brilho saboroso das uvas, e sempre penso: como ela frutificou, tal qual a videira, hoje cansada talvez, mas em contínuo trabalho para o cumprimento e para a vivência das estações. Creio que a essa altura já existam cachos violetas claras, ainda, caminhando pelo quintal e pulando o muro de quintais desavisados, são as sombras alheias de tia Elvira. Quando crianças, íamos visitá-la, quase sempre acompanhados de minha mãe, e lá estava ela no quartinho do quintal, construindo suas obras de arte, os vestidos. Costurava com um primor, coisas finas, tecidos ricos pelo bom gosto e pela qualidade. Tia Elvira elaborava seus cortes sempre para crianças, tinha um talento especial para confeccionar os vestidos das bonequinhas, filhas que gostaria de ter, e assim adotou sobrinhas, inclusive minha mãe, e minha irmã Adriana, que era o seu xodó. Adotou também Aída, filha de tia Mariquinha, lá de São Romão, depois Graça, sua filha predileta e Marildinha. Por vezes, numa dessas ocasiões, enquanto as clientes estavam experimentando seus vestidos, a porta era fechada, eu ficava ali, numa beirada do quintal admirando aquela harmoniosa floresta suspensa, seria isso o segredo de uvas tão doces ao final de cada ano? Pensava. O motor da máquina de costura juntamente com o chiado permanente da bronquite de Lió estruturavam o arranjo para orquestrar o desenvolvimento dessas frutas. As crianças já com seus vestidos prontos saiam na porta do quarto com as suas mães, que observavam o feitio, e o movimento, finalizando a encomenda com satisfação. Eu sempre achei que as mãos de tia Elvira eram as ferramentas que o Deus uva encontrou para disseminar a arte, pois dependendo da estação em que estivéssemos os vestidos refletiam as folhas, as cores, os tamanhos e a suavidade da fruta. Tem um de que me lembro, parecia o vento nas folhas espreitadas na parreira,e a saia parecia uma florada, ainda esmaecida, como alguém conseguia empregar tão bem materialmente, algo que era pura subjetividade? Tio Otávio tinha um escritório e administrava os cinemas, juntamente com Dr. Mário Ribeiro (Marão), enquanto tia Elvira desenhava as arquiteturas das lezes bordadas. Tudo ali, naquela casa, apesar de alguma formalidade, era afetivamente mágico, pois tia Elvira começava ali nos pequeninos e rodados vestidos a descobrir que como fada poderia compor os seus contos, convidando todos para uma viagem inesgotável, esvoaçante e permanente. Coisa de Deuses! Ao final de cada ano, retorno a Montes Claros, e faço a minha primeira saída: ir lá na casa de tia Elvira. E a encontro deitada, e a visão de sua janela são as uvas, primeiramente beijo profundamente suas mãos que tremulam o aperto firme, e eu o faço, respondendo de maneira intensa e delicada, como faço com uma grande uva madura, para não machucá-la e não vê-la sangrar tantos processos acontecidos que resultaram nessa exuberância. Sempre é muito forte esse meu primeiro contato, me faz reviver tantos sentimentos... Mas fico cá comigo mesmo com uma cadeia de pensamentos, que não consigo controlar... E em um deles, penso que as duas, tia Elvira e as uvas passam as tardes na profundidade das orações, dialogando sobre o sagrado, alcançando de forma extraordinária a compreensão do viver. É como se me dissessem que a vida é simples, e que de tão bruta é por demais delicada, e cheia de amor, por isso continuam: a videira a produzir seus frutos, hoje menores em tamanho, e gigantes no frescor de seus sabores, e tia Elvira com seu olhar róseo e brilhante, estelar, maternando o meu coração, num tricô arterial e venoso. São misteriosas as uvas e tia Elvira...E assim a vida vai se cumprindo, como diz Davi: Tio Arthur vamos na casa de vovó da uva?
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