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Mensagem: Veneno da Madrugada Alberto Sena O escritor colombiano Gabriel Garcia Marques fez um livro intitulado “Veneno da Madrugada”, publicado em 1961. Para quem ainda não o leu, um resuminho: acontecia de a cidade acordar com panfletos apócrifos publicando questões íntimas de determinadas pessoas e ninguém conseguia descobrir a origem. Alguém punha para fora os podres alheios e isto criava o maior constrangimento na cidade, um esboço de Macondo, lugar fictício criado por Garcia Marques e devidamente dissecado por ele no livro “Cem Anos de Solidão”. Uma história semelhante aconteceu em Montes Claros, anos depois da publicação do “Veneno da Madrugada”. Mas não se deu como no livro, porque não foi panfletagem por toda a extensão da cidade. Foi na sede do antigo Tiro de Guerra, pelos lados da Vila Ipê, onde a turma cumpria o dever que, imaginem, um poeta – Olavo Bilac – teve a ideia de criar: o serviço militar. O TG era comandado, na ocasião, pelo sargento Conga, porque o sargento Lafayete havia ido embora, e enquanto não vinha o substituto dele – sargento Marcos – o comando era dividido com o sargento Leite, um homem com traços de índio do Mato Grosso. Ele tinha várias falhas de dentes e por isso falava assobiando. Teria sofrido um problema na gengiva que o obrigara a fazer extrações. Sargento Leite tinha tudo de sargento: força na voz de comando, exigente, disciplinador, farda impecável, quepe de pala sempre engomada e costumava torrar os atiradores por causa do menor deslize. Quase todo dia tinha revista de cabelo e barba. A ordem unida era pesada. Havia bastões que os atiradores utilizavam na educação física, substituindo os fuzis de 1900 e borrachinha. De vez em quando, dentro da sede, era praticada a desmontagem e montagem de fuzil e mais para frente tiro ao alvo numa área distante da cidade. Não se sabe por que cargas d’água, numa manhã, lá pelas 5h, quando os atiradores chegaram para se apresentar, o sargento Leite estava que nem uma fera, bufando e cuspindo por entre os dentes e ninguém sabia o porquê, nem mesmo os atiradores de plantão que lá passaram a noite. O sargento assumiu o comando do pelotão e ordenou: _ TG! Seeenntido! E todos ficaram como se tivessem engolido um cabo de vassoura. Nessa posição o sargento deixou a turma enquanto indagava em altos brados: __Qual foi o engraçadinho que deixou um bilhete no alpendre da minha casa nesta madrugada? Fez-se silêncio. Dava para ouvir até mesmo o vôo dos mosquitos e o canto do bem-te-vi ao longe disputando espaço. O sargento abaixou a cabeça e deu vários passos firmes para lá e vários passos firmes para o outro lado. Disse: __ Quero que o engraçadinho se apresente, agora. Sabem quantos atiradores se apresentaram? Nenhum. O silencio perdurava. E o sargento assobiando por todas as falhas de dentes disse que iria punir a turma até que “o engraçadinho”, como ele chamou, aparecesse. E ordenou: __Meia volta, volveerrrr! Em seguida: __Ordinário, maarrrchee! E a turma marchava. Levantava os pés o mais alto possível, como ele exigia que fosse. E mais adiante o sargento ordenou: __ Aceleradooo! E todos começaram a correr. E quase imediatamente, deu outra ordem: __ Rastejar. E depois: __ Levantar. E foi assim: acelerado, rastejar, levantar; acelerado, rastejar, levantar... Isso durante, digamos, umas duas horas. E nada de aparecer o “engraçadinho”. Por ordem do sargento o pelotão voltou para o TG com os braços e os joelhos esfolados, fardas rasgadas e sujas de terra ou lama, de acordo com o terreno onde uns e outros tiveram de rastejar. Foi um dia de cão. A cidade toda soube do ocorrido, que foi até notícia em jornal. Alguns pais de atiradores ficaram indignados. Os que tinham mais acesso às hostes militares trataram de tomar uma providência, reclamando ao comando na capital e o sargento foi chamado à atenção. Apesar de toda pressão para o “engraçadinho” se apresentar ou ser denunciado por alguém que pudesse ter visto algo suspeito, ninguém apareceu para assumir a autoria do “veneno da madrugada”, um dos títulos que lançaram ao mundo Gabriel Garcia Marques para se tornar um dos maiores escritores da América Latina, Prêmio Nobel de Literatura. Detalhe: a não ser o autor anônimo, claro, e o sargento, ninguém nunca soube o teor do tal bilhete.
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