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Mensagem: Por que tanto horror? Alberto Sena Li no Mural, dia desses, uma reclamação postada por Waldomiro, de sobrenome não sei qual. Ele havia acabado de passar pela Praça Coronel Ribeiro, aí em Montes Claros, e dizia ter ficado entristecido com o quadro de abandono que viu. Distinguiu, em meio ao abandono, um “simpático bangolô”, que, como ele mesmo citou, estava indo ao chão, como na música de Adoniran Barbosa, “Saudosa maloca”. Segundo Waldomiro, tudo ali na Praça Coronel Ribeiro “sugere abandono, descaso, humilhação urbana”. Como ele descreveu, “o jardim está feio, a copa das árvores há muito não vê uma poda, a iluminação está péssima, sugerindo um quadro quase macabro”. Daqui desses horizontes nem tão belos quanto antes, fiquei imaginando aí os montes, que já foram muito mais claros, e num átimo revisitei a Praça Coronel Ribeiro dos nossos tempos de menino, da época da adolescência e também da fase de adulto, pois, de Montes Claros saí, aos 22 anos, em busca de outros sonhos, fantasmas novos. Quando criança, na matinê das 2h da tarde, no Cine Coronel Ribeiro, do grande médico e amigo Mário Ribeiro, irmão de Darcy, com quem convivi já adulto; vivi a mais forte sensação da vida, quando assistia aos filmes de Rock Lane, Roy Rogers, Rex Alen, Tarzan e Jim das Selvas. Saía correndo de casa, na Rua São Francisco, além da linha férrea, acompanhado de Célia (que virou corisco), Lúcia e Wanda, minhas irmãs tão queridas – como o são Tê, Elza, Ladinha, Zé, Tone e Waldyr – com os braços cheios de revistas em quadrinhos para trocá-las com quem tivesse exemplares por mim não lidos, fugindo das vistas dos comissários de menores, pois naquele tempo – vejam só! – era proibido trocar revistas e figurinhas na porta do cinema. Para mim, era uma glória quando o relógio badalava duas horas, e devidamente acomodado na poltrona de compensado, envernizada, começava o filme com a figura do condor e a meninada gritava, como se, gritando, o bicho alçasse vôo mais rápido. Ou aprontava gritaria quando a empresa cinematográfica era a Metro-Goldwyn-Mayer, com o seu famoso leão, e aparecia em seguida, na tela, um pontinho preto. O pontinho preto ia crescendo pouco em pouco e se transformava na figura de um homem montado num belo cavalo branco, para êxtase da meninada. Era Rock Lane, em carne e osso, na tela! E ao recontar isto, só não choro, mas sinto arrepio por todo poro. Depois de assistida a fita, corríamos – minhas irmãs e eu – para o bar da esquina, do outro lado da praça, a fim de disputar a compra de picolé de groselha, que uma senhora gorda, severa, mão me lembro do nome dela, suando em bicas, se esforçava para atender a criançada. Era uma farra. Muito calor, do sol. Calor humano imenso. Anos depois, adolescente, ia com os amigos à Praça Coronel Ribeiro fazer parte do footing, a fim de flertar com as donzelas, moiçolas cheias de viço, os cabelos aos ventos e os sorrisos abrangentes; as olhadas para trás e para frente. Elas de mãos dadas com as amigas, comentando coisas da gente. Montes Claros seguia o seu curso, pachorrenta. Até que não sei por que cargas d´água, o footing se mudou escorrendo pela Rua Dr. Santos, entrava à esquerda, lá embaixo, na Praça Dr. Carlos e se escoava pela Rua Simeão Ribeiro, até A Cristal. Indo e vindo. Foi a partir disso que a Praça Coronel Ribeiro começou a perder movimento. Mas o Cine Coronel Ribeiro permaneceu vibrante. Depois dos filmes para maiores de 18 anos, sentávamos nos bancos da praça para comentar as fitas vistas e então as conversas se iam prolongando, entravam por casos vários. Era o tempo romântico. Tinha poesia, tinha esportes. Naquela época, nós líamos romances, revistas em quadrinhos e até fotonovelas, pois era o auge delas. E com os hormônios da testosterona correndo pelas veias, às vezes tudo terminava na casa de Edna, na casa de Anália ou em Zé Coco, pois foi assim que os moços de então descobriam os prazeres da carne. Com as namoradinhas, nada além de beijo na boca ou “sarro”. Tudo isso me veio, como disse, num átimo, ao ler a procedente reclamação de Waldomiro, que, estupefato, assim como eu, neste ato, viu o fim lamentoso da Praça Coronel Ribeiro, onde divagávamos. E nas prosas ganhávamos asas. Voávamos o mundo inteiro. Esta foi, pela primeira vez, que, ao recordar os velhos tempos, me veio um aperto, aqui, no peito. Por que não cuidar da nossa memória, minha senhora? Por que não conservar o velho e construir o novo, meu senhor? Por que tanto horror?
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