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Mensagem: O VALENTE E O CANÁRIO CHAPINHA Nos anos 50, Montes Claros era uma urbe dominada pelo preconceito, boçalidade, subserviência religiosa e o coronelismo. A métrica dominante na psicologia dos habitantes era o critério subjetivo. Qualquer roupagem ou padrão desconhecido era imediatamente condenado. Numa manhã, o lendário investigador de polícia Zé Idálio, fazia campana de rotina no pátio da Rede Ferroviária Federal. Passava a vista em possíveis passageiros desconhecidos que desembarcavam no terminal. Logo viu um cidadão bem vestido, sapato de pelica, chapéu de feltro e vestindo um colete de veludo sobre a camisa de linho. Como essa peça de vestuário não era habitual por aqui, o chegante foi interceptado. Preso e conduzido à Delegacia de Polícia, que à época situava-se na rua Camilo Prates onde hoje se ergue o Fórum de Pequenas Causas. O cidadão ficou uma semana trancafiado com marginais. O motivo da detenção era o indefectível colete. Viera de São Paulo para regularizar os documentos de um veículo adquirido inicialmente em nossa cidade. Em 1955, o então governador de Minas JK veio à nossa cidade para campanha política. Hospedou-se no Hotel São José de Juca de Chichico. Logo irrompeu na praça Coronel Ribeiro uma passeata de estudantes do Instituto Norte Mineiro de Educação, fazendo o enterro simbólico do governador em represália pelo mesmo não ter cumprido anteriores promessas de campanha. Reivindicavam a instalação de geradores móveis para fornecimento de energia elétrica a nossa urbe. Ameaçavam entrar com a urna funerária simbólica porta adentro do hotel. A passeata era capitaneada por Lazinho Pimenta, João Luiz de Almeida Filho e tendo como porta voz de desaforadas palavras de ordem o gordo bancário Quitú Rosa. O cabo Zé Idálio, valente e destemido como sempre, peitou a turba, manobrou o fuzil Mauser e fez disparos por cima da cabeça da galera, impedindo a invasão do hotel. O capitão Coelho, comandante do Destacamento Policial local, em seguida e como complemento, efetuou uma rajada de metralhadora Iná 45 contra a parede de adobe do imóvel dos Pereira, numa demonstração de força, assustando o jovem político Edgar Pereira o mais agitado e empolgado da turma. Em pânico, na correria que houve, Quitú Rosa gramou o beco e foi se esconder dentro de um grande forno de assar biscoitos. Como era gordo, ficou entalado e com o traseiro de fora e só a muito custo o livraram da incômoda situação, puxado pelo cabo Zé Idálio e mais quatro soldados. Uma cena digna de Fellini! O lendário policial, hoje com seus 88 anos, firme que nem aroeira preta na queimada é morador da rua Melo Viana e meu vizinho aqui no bairro Morrinhos. Volta e meia sentamos à sua porta para relembrar histórias e causos dos nossos Montes Claros. Ele é um arquivo vivo, pois participou da maioria das tragédias de antanho acompanhando tudo como chefe de investigação. No seu currículo policial consta ter feito papel, entre outros, de delegado de polícia e chegou mesmo a chefiar equipe de investigação da Polícia Federal em Belo Horizonte, dado à sua competência e destemor como profissional. Certa feita, o meu ex cunhado o jornalista Leonardo Campos ofertou dez mil pratas por um conhecido e cobiçado canário chapinha do criatório do Zé. O dito pássaro brigador e campeão era originário da Bolívia. Fora adquirido em Araçuaí onde tinha status de cabeceira e cantador. O Zé não vendeu o espécime ao jornalista, emboramente a vultosa oferta, alegando que estando a gaiola do canário colocada no corredor ao lado do seu quarto de dormir, nas cálidas manhãs era acordado por miríades de decibéis do trinado. O maravilhoso som entrava casa adentro, repercutia pelas paredes, fazendo elevar a alma e o espírito, num enlevo de pura poesia... Portanto, não o vendeu, pois o exemplar que inspirava e propiciava tanto encantamento não tinha preço, alegou, com toda razão! Comentou, em seguida, que nenhum dinheiro do mundo compraria aquela pássaro que ensejava, diáriamente, um momento único de puro romantismo em contato com a natureza... Não vale a pena deixarmos pelo caminho pedaços de nós mesmos. Afinal, o dinheiro paga mas não apaga a enorme falta que nos faz, além da angustiante saudade que nos deixa, tantas coisas simples, partes da nossa vida e que, eternas, são infinitamente mais importantes do que alguns trocados a mais...
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