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montesclaros.com - Ano 25 - quarta-feira, 30 de outubro de 2024
 

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Mensagem: DOIDONA PSICODÉLICA Corria o ano de 1968. Aproximava-se o evento mais importante e concorrido do calendário golefestivo de MOC: Exposição Agropecuária. Férias de julho!, ardentemente aguardada pelos estudantes locais e pelos que residiam fora. Estes acorriam em massa e ainda traziam primos e amigos à então pequena urbe de 70000 habitantes. As casas se enchiam de colchões e travesseiros para acomodar toda aquela gente. Àqueles que não podiam contar com a nossa reconhecida hospitalidade restavam três razoáveis hotéis: São José, São Luiz e Santa Cruz, o único sobrevivente. Os imprevidentes ou de poucos recursos aboletavam-se em sofríveis pensões, familiares, espalhadas pelo centro da cidade. Bianual, o evento durava apenas quatro dias. Paralelamente à mostra no Parque João Alencar Athayde, o Automóvel Clube realizava quatro grandes bailes. Suas duzentas mesas tornavam-se insuficientes para todos que pretendiam deles participar. Resultado: muita gente de pé nas varandas, nas mesas da pérgula da antiga piscina ou no restaurante. Festas memoráveis, com shows de alto gabarito: Roberto Carlos, Elis Regina, The Jordans, Renato e Seus Blue Caps, Moacir Franco, Agnaldo Rayol, Vanuza, Jair Rodrigues, Ronnie Von, Wanderleia, comediantes como José Vasconcelos e Zé Trindade, vedetes, todos pisaram aquele palco. Ponto negativo, vexatório, as brigas que não raro se estendiam pelo salão. Deixavam péssima impressão nos visitantes. Brigava-se por dá-cá-aquela-palha: um olhar enviesado para uma mulher casada, uma brincadeira qualquer com a namorada de outrem... Felizmente não se matava ninguém. A contenda resolvia-se no tapa, socos, pontapés, pescoções, garrafadas e cadeiradas. Não há registro de armas de fogo ou brancas. Credite-se ao excesso de álcool tais manifestações de barbárie. O Parque de Exposições, àquela época, constituía-se do pavilhão central, como ainda hoje, do cercado onde acontecem os rodeios, alguns currais e banheiros. Filas imensas para um simples xixi. Carga mais pesada ninguém se atrevia a descarregar. Senhoras da sociedade dirigiam-se aos banheiros dos escritórios da Rural. O resto era pó, terra batida e, com a água lançada pelos caminhões-pipa, lama. João Avelino se lembra de ali ter ouvido, pelos alto falantes do tipo corneta, a irradiação de um dos jogos da Copa do Mundo de 1958, na Suécia. A TV só viria quase duas décadas depois. Os rodeios, animadíssimos, com os locutores botando fogo na assistência: ´Vai, vai, cutuca nêgo duro!´ bradavam, incentivando os peões que se candidatavam aos prêmios em dinheiro ou à quedas hilariantes. Para onde se olhasse, gente e mais gente. Ricos, pobres, remediados, todos se misturavam. Arquibancadas lotadas no pavilhão central. Ao lado o restaurante, onde se podia apreciar um belo churrasco de alcatra, contrafilé ou carne de sol com dois pelos. Picanhas, maminhas, fraldinhas e outros cortes sofisticados nos eram desconhecidos. Nos cinco bares localizados no térreo do pavilhão bebia-se de tudo. Os mais abastados iam de Cavalo Branco (White Horse) e Old Parr, uísques então em moda. Uma área contígua, coberta e cimentada, destinava-se à exibição de produtos da terra: espigas de milho híbrido - uma novidade -, abóboras gigantes, mandiocas descomunais... Licor de pequi, da marca Corbi, cachaças da região (Claudionor, Dominante, Ferreirinha, Lua Cheia...), farinhas, requeijões, rapaduras e doces outros também tinham ali o seu lugar. Filhos de fazendeiros desfilavam em garbosos mangalargas e campolinas devidamente ajaezados. Trajavam-se como cowboys norte-americanos: botas de cano alto, esporas, calças Lee, Levi`s ou Wrangler, cinturões largos com fivelas de prata, camisas xadrez de manga comprida, coletes, lenços ao pescoço e os indefectíveis chapelões (alguns Stetson). Só lhes faltavam os revólveres, substituídos por canivetes ou facas nas bainhas (para descascar laranjas...). Potros e piquiras traziam alegria à meninada, juntamente com o parque de brinquedos. Ao morrer da tarde a música, que já vinha acontecendo aqui e ali, espalhava-se por dezenas de barracas. Acordeões, sanfonas, pandeiros, violas, violões... Arrasta-pé Arretado! era o nome de uma dessas tendas. Não sei bem de quem foi a ideia de se montar uma barraca no parque. Sei que dezessete sócios foram necessários para integralizar o capital (1500 contos): Raimundo Neto, Waninho Antunes, Carlúcio Batista, eu e meu irmão Roberto (Didu), Ricardo Milo, Patão e Beto Guedes, Paulinho Rodrigues, Luizão Guimarães, Geraldo Santana Machado, Geraldo Madureira (Grego), Reinaldo Nunes, Geraldo Carne Preta, Chico Gomes e Reinaldo Ferreira Lima. Faltou-me um... Toni Saquim? Grego nomeou o empreendimento: Doidona Psicodélica. Alugamos quatro lotes de terreno, aproximadamente 100m², e mãos à obra! Construímos um pequeno cômodo de tábuas e telhas de amianto que serviria como depósito, bar e cozinha. Pintou-o Patão, com fundo branco e alegorias coloridíssimas, psicodélicas... A um canto do terreno o palco com o pano de fundo preto. Iluminação especial. O atrativo da barraca seria a música, ininterrupta, levada por três bandas de rock que se revezariam das 15 às 21h: Brucutus (Patão e Beto Guedes, Ricardo Milo e eu), Eremitas (Grego, Luiz Guedes, Reinaldo Nunes e Herbert Caldeira) e We The Whats (Ricardo Mesquita, Aliomar Assis, Marcinho Passarim e outro garoto do qual não me lembro o nome). Inesquecíveis performances. Quem não se recorda de Ricardo Mesquita, o Jim Bordel, interpretando divinamente I started the joke dos Bee Gees? A Doidona foi cercada com estacas de madeira e três fios de corda. Abaixo, enfileirados, vasos com plantas para impedir a entrada dos vira-latas à solta no parque. Brita no piso. Nada mais foi necessário e o público prestigiou a contento - saía gente pelo ladrão. Meninas as mais bonitas chegavam em grupos. A reboque, namorados e amigos. Todos queriam ver e serem vistos e todos se dirigiam à Doidona. Namoros que acabaram em casamento ali tiveram o seu início e outros chegaram ao fim. Quase ninguém queria mesmo namorar a sério durante aqueles quatro dias de festa. E na ausência do termo hoje empregado, ficar, o negócio era paquerar, sem compromisso. Oh, que saudade da miss Diamantina, uma louraça de fechar o trânsito! Fiz questão de hospedá-la em minha casa, para desespero de Lazinho Pimenta, colunista social dos concursos de beleza e responsável pela integridade física das dondocas que convidava. Mas que não se pense naquilo quando eu disse hospedar - raríssimas garotas permitiam um avanço além das preliminares... Drogas? Não se cogitava. Muita cerveja, caipiríssimas, coquetéis fraquinhos, refrigerantes e sucos para as garotas. Talvez um ou outro garoto inalasse Kelene, um poderoso anestésico local embalado em tubos como os de lança-perfume e de efeito semelhante, vendido livremente nas farmácias. Depois foi proibido e em breve desapareceria do mercado. Sabíamos que rapazes mais velhos e mesmo senhores casados tomavam bolinhas para resistir à maratona de festas, mas, com a nossa energia de então, dispensávamos tal expediente. Maconha, ninguém sabia o que era. Cocaína? Somente em livrinhos de bolso policiais, como os FBI. Esses livros me afastaram das drogas, pois traziam experiências terríveis em suas páginas. Também não se ouvia falar em traficantes ou malas e o famigerado crack estava longe de surgir. A paz reinava nas cidades. Confesso que explorávamos a mão de obra infantil. Meu irmão caçula, Henrique (Buts), e dois ou três dos seus amiguinhos ajudavam a limpar as mesas. Podiam comer e beber à vontade e ao final da tarde ganhavam alguns trocados para brincar no parque de diversões. Nosso maior problema administrativo foi definir quem ficaria na barraca após as 21h. Todos nós queríamos ir aos bailes do Automóvel Clube, imperdíveis. Resolvemos por sorteio. Os oito primeiros ´premiados´ tomariam conta da barraca, fariam a faxina e lavariam toda a louça e panelas, dois deles por noite. Os demais - dois por dia - renderiam a guarda, às 8 da manhã!, e ficariam por lá aguardando os fornecedores de bebida, gelo, cigarros, carne etc. Raimundo Neto, tesoureiro, fora excluído do sorteio, pois sua tarefa não era das mais fáceis. Fiquei no segundo grupo e quando chegamos direto do parque para render a guarda, Paulinho e eu ficamos estupefatos: Reinaldinho e Grego haviam ingerido nada menos do que 32 cervejas na noite anterior! Mas estavam sóbrios e só queriam dormir. Enfim, feito o balanço, a Doidona Psicodélica foi um enorme sucesso. Não deu lucro nem prejuízo. A rigor, deu lucro - e como! -, se computado o consumo dos seus 17 sócios, músicos, alguns amigos e colaboradores. Parabéns a todos!

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