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montesclaros.com - Ano 25 - terça-feira, 29 de outubro de 2024
 

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Mensagem: O amigo Raphael Reys - (Que nome e grafia, hein? Lembram um ator ou cantor de tango...) solicita-me por e-mail que eu registre em texto algum forte impacto quando da minha primeira ida a Belo Horizonte. É natural que nós, mineiros do interior, descubramos na capital a cidade grande. Darcy Ribeiro, por exemplo, narra em Confissões que a conheceu aos 16/18 anos. Quedou-se admirado, de boca aberta, com o movimento na praça 7. Jamais vira tanta gente pra-lá-e-pra-cá, automóveis, bondes apinhados de povo. Abordado por um travesti, espécimen desconhecido, se a seguiu não confessou... Comigo aconteceu diferente. Filho de pais baianos, meu destino seria outro: Salvador. Como na letra da canção, a primeira Coca-Cola e o primeiro misto quente me foram servidos nas asas de um DC-3 da Panair do Brasil, empresa aérea que cumpria o percurso São Paulo-Belo Horizonte-Montes Claros-Pedra Azul-Ilhéus-Salvador. Ali, na capital baiana, viviam meus avós e ainda mora a maior parte da família. À chegada, impressionou-me a imensidão do mar, como sempre ocorre aos que o veem pela primeira vez, principalmente da janela de uma aeronave. Nas piscinas naturais da praia de Ondina, o menino de 4/5 anos comprovou que a água era salgada, causava forte ardor nos olhos, mas logo se acostumou. Vim conhecer BH aos 9 anos. Ficamos hospedados, eu e meu irmão Roberto, então com 7, na casa de nossos tios Mário e Anésia. Aguardava-nos o querido primo Carlinhos, que sempre nos visitava em Moc acompanhado de outro primo, este por afinidade, Marcinho Bessone, por ocasião das férias escolares. Quando aquele quarteto se reunia era um deus-nos-acuda! O antigo trem baiano (Maria Fumaça) conduzira-nos à capital. Novidade para mim e Roberto, pois ainda não havíamos viajado em trem. Tomamos um dos beliches alinhados ao longo do carro-leito. Nós dois engaiolados na cama superior e nossa mãe na de baixo. Não me lembro de vagão contíguo, com poltronas, para que pudéssemos sentar, uma vez que a viagem consumia cerca de dezoito horas... Excelente, minha primeira impressão de BH. No táxi, durante o trajeto até a casa de meus tios, mamãe nos chamava a atenção para os contrastes entre as duas capitais. Belo Horizonte, ao contrário da Salvador de então (que visitávamos anualmente), possuía largas avenidas, limpas, belos edifícios e praças monumentais. Era uma cidade moderna, planejada - nos ensinava dona Lourdes - para ser a nova capital do estado, em substituição a Ouro Preto. Nosso saudoso Roberto, desde sempre espirituoso, saiu-se com essa: ´É, mas aqui não tem praia...´ Chegamos numa manhã de sábado e, no almoço, lá já estava Marcinho. Iniciamos uma partida de banco imobiliário que varou a tarde. À noite, fomos ver tia Olívia, mãe de Márcio e minha madrinha, casada com Waldir Bessone. Retornamos com Marcinho e sua mala, pois ele não queria deixar os primos. - Vocês vão matar a pobre da Anésia - disse tia Olívia referindo-se aos quatro pimpolhos e à sua irmã. Mal sabia ela que seria a próxima vítima: dali a uma semana o endiabrado quarteto pousaria em sua casa para uma permanência de dez dias. Tia Anésia já não aguentava mais. Varávamos as noites no banco imobiliário, discutíamos e, antes de dormir, a guerra de travesseiros era sagrada. Mas aqueles outros dez dias foram de pouca turbulência. Tio Waldir mostrou-se sábio, providenciando-nos convites para o Barroca Tênis Clube. Após nadar e bater bola (bater baba, em Salvador) a tarde inteira, depois do banho e do jantar o time entregava os pontos: cama! Ainda assim chegamos a eletrocutar um gato raivoso. Andávamos sozinhos em BH. Tomávamos o trolleybus (ônibus elétrico enorme, silencioso e não poluente) na avenida Amazonas e descíamos, ou saltávamos, como dizem os baianos, no centro da cidade. Nas tardes de sábado e domingo, quando o trânsito e o movimento geral diminuíam, tínhamos permissão dos pais para irmos desacompanhados às matinês. O que mais me impressionou em BH foi o número de cinemas, 32. No Candelária (praça Raul Soares) as poltronas reclinavam... Assistimos a fitas no Tupis (depois da reforma, Jacques), Tamoios, Acaiaca, Guarani... Os mais luxuosos eram o Metrópole e o Art-Palácio, este com ar-condicionado, uma novidade para mim. Pulgas, e muitas, pululavam em todos, acarpetados que eram. Outra forte impressão causaram-me o número e o tamanho das lanchonetes. Em Salvador havia poucas delas, na verdade cafés, ao longo da rua Chile. Em Moc, a primeira acabara de ser inaugurada: Crystal. Depois viriam A Cubana e Cambuí. Mas nenhuma dessas se comparava às de BH. Após as matinês íamos à Odeon - enorme e lotada -, localizada ao lado do edifício Acaiaca, na Espírito Santo. Misto quente, sundae, milk- shake... Que farra! Hamburguer, cheeseburguer e batata frita surgiram mais tarde para envenenar a meninada. Entretanto, apesar das delícias que BH proporcionava, após três semanas eu já queria voltar pra Moc. Os meninos de lá não andavam de bicicleta. E a Monark sueca, recentemente ganha por ocasião do aniversário, me aguardava. Montado nela, estilingue (ou atiradeira) ao pescoço, canivete na cinta e varinha de pescar, acompanhava a turma na exploração de toda a cidade e arredores. Estilingue em BH chamava-se bodoque e era comprado em loja, industrializado, todo em borracha e plástico. Em Moc, selecionávamos os galhos bifurcados de goiabeira ou jaboticabeira para o gancho, a câmara de ar que proporcionasse a tensão desejada para as tiras, e o couro ideal, macio, de bezerro ou cabrito, em alguma selaria próxima ao antigo mercado. Ainda há, sim, muitas vantagens em serviver menino de interior. *Raphael Reys, salvo engano, pretende publicar um livro contendo experiências como a narrada acima. Obrigado pela atenção.

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