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Mensagem: Menina não entra Ivana Ferrante Rebello. Menina não entra. Este era um dos postulados ardorosamente defendidos pela sociedade patriarcal. O mundo da literatura era fechado e proibido. À mulher, esse ser de dons múltiplos e de fala fácil, coube o peso do silêncio e da pena ausente. A história da literatura tornou-se uma história masculina. Menina não entra. As páginas do tempo, reviradas pela curiosidade, revelam que a atividade literária das mulheres foi banida ou mutilada. Escrever pertencia à esfera do interdito. Fanny Burney queimou todos os originais e pôs-se a fazer trabalho de ponto como penitência por escrever. Charlote Bronte deixou de lado várias vezes o manuscrito de Jane Eyre para descascar batatas. Jane Austen, escondia os papéis em que escrevia cada vez que entrava alguém, pela vergonha de que a vissem escrever. Katherine Anne Porter levou 20 anos para escrever um a novela, pois era sempre interrompida por alguém. Maria Moliner remendava meias em um ovo de madeira, enquanto escrevia a sua obra, Dicionário do uso do Castellano. Katherine Mansfield reclamava do marido: “Estou escrevendo, mas tu gritas constantemente, onde está o meu chá?” Maria Lejarraga é a autora das obras que seu marido Gregório Martinez Sierra assinava. O marido de Zelda Fitzgerald a proibiu de publicar o diário que escrevia, porque ele necessitava desse diário para o seu próprio trabalho. As primeiras obras de Colette apareceram assinadas por seu marido, que depois cobrou dela o dinheiro da sua venda. Uma cubana do século XIX, não pode assinar as suas obras, mas nos deixou o seu lamento: Quantas vezes lentamente Com plácida inspiração Formei uma oitava na mente E minha agulha inteligente Remendava uma calça! No ano 2000, na Espanha, só 10% dos livros foram publicados por mulheres. Menina não entra. Era o lema da Academia Brasileira de Letras. Em sua criação, em 1897, a aplaudida romancista e cronista Júlia Lopes de Almeida foi deixada de fora. Em seu lugar, assumiu o marido Filinto de Almeida, escritor inexpressivo. Em 1930, Amélia de Freitas Beviláqua era forte candidata para a cadeira nº 23, mas foi preterida com a justificativa de que a academia era para brasileiros e não brasileiras. Essa lógica absurda deixou de fora escritoras como Clarice Lispector e Cecília Meireles. Somente em 1970, uma mulher tornou-se imortal, Raquel de Queiroz. E apenas em 1996, uma mulher presidiu a Academia, Nélida Piñon. Sublimidade e prazer, condições do ato de escrever, foram experiências retiradas de nós como um filho, ao nascer de sua mãe. Assalto terrível da carne de sua carne. Herança de família reservada ao homem, a escritura não entrou no testamento que nos caberia. Tornamo-nos herdeiras, sim, de um lugar de falta. Herdeiras forçadas, porque recebemos por herança o vazio. Essa casa, que hoje se funda, constitui uma forma concreta de habitar o vazio. Essa casa para reunir mulheres escritoras, cujas vozes já não são mais silenciadas. Essa casa que nasceu do sonho de Yvone Silveira. Foi preciso que ela vivesse entre letras, com a alma carregada da paixão pelos livros. Foi preciso que ela, na elegância de seu salto alto, entrasse altiva na escola, para falar de poemas e escrever no quadro negro sua vocação de ensinar. Foi preciso que ela alimentasse a sua fome de saber e penetrasse surdamente no reino das palavras. Foi preciso que ela levantasse algumas bandeiras e deixasse gravadas, com sua eloqüência rara, as suas impressões de mundo. Dona Yvone confunde-se às letras norte-mineiras, porque fez delas a substância e a razão da sua vida. É difícil apontar entre nós aquela que não foi sua aluna ou discípula. E todas, tenho certeza, levamos na voz um tanto da sua profissão de fé às letras. Eleita presidente de honra desta casa que sonhou e fundou, Dona Yvone será sempre o espelho de vida e a mão segura que elevará os ideais aqui comungados até onde alcança o amor que professa pela palavra. Consta que Rachel de Queiroz, ao tomar posse na ABL teria dito: “Não quero um trono. Quero apenas essa cadeira.” Quanto a nós, essas quarenta escritoras, apresentamo-nos hoje como mulheres. Mulheres a quem coube o dom da luta diária e a dádiva da feminilidade. E queremos as nossas cadeiras. (Discurso pronunciado ontem, na instalação da Academia Feminina de Letras de M. Claros)
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