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Mensagem: DE MÃE E COQUETÉIS Numa velha infância de menino do interior, o que menos preocupava era a modernidade. O fogão - ainda e sempre - de lenha. Logo chegou o a gás, seus botijões e as lendárias perdas de lugar e conforto de todos os gatos domésticos. Sarava Seu Pedro Montes Claros, pai de Sinval, Tuca, Bem, Zé, Santinho, Taene e Dô Meu Fã. De lendárias e sempre lembradas histórias. Tinha que se manter o fogão sempre aceso, para a serpentina esquentar, proporcionando inesquecíveis banhos e a fumaça - eterna e continuamente - sair das chaminés, por onde, no fim de ano, Papai Noel desceria com mágica agilidade e , com certeza, ao ler nossas cartas , encheria de presentes nossas meias dependuradas e de alegria nossas quase inocentes almas. No rádio - sempre ligado na sala – os adultos ouviam à noite lacrimosas novelas (sempre repetidas à tarde) e a hora e vez dos meninos (e grandes,também) era na hora da janta, com as incríveis aventuras de Jerônimo, o herói do sertão e seu fiel companheiro, Moleque Saci. Sempre achamos que a mãe de Jerônimo ( Filho de Maria, homem nasceu... como na letra da música-trilha original) chamava-se Maria Homem. A vírgula sempre fez a diferença - desde aquele tempo - mas só descobrimos anos mais tarde. A primeira geladeira lá de casa foi uma Kelvinator, americana, acho. Funciona até hoje , embora reduzida a quase uma só função : manter cervejas geladas .No grau certo, ainda, diga-se. Ríamos escondidos da palavra “foods” escrita nas gavetas de verduras. Parecia um palavrão e éramos proibidos de repetir. Fabricamos – meus irmãos estavam também nessa empreitada – picolés de leite (o mais fácil de fazer, só leite e açúcar) e vendíamos para a meninada, por um terço do preço cobrado nas sorveterias. Foi um tempo bom, com lucros certos e divididos. Até o dia em que resolvemos inovar demais e fizemos várias forminhas de picolé de limão. Esquecemos do açúcar e acredito que tenha sido este detalhe o início do declínio e posterior fechamento da fábrica de picolés mais famosa da rua Lafetá 11. Aí outro aparelho moderno apareceu. O liquidificador. Walita, a única marca. O primo longe quase em extinção desta porcaria que vendem hoje aos incautos (sou um deles, infelizmente): a tal de centrífuga. Deve ter alguma coisa errada com este produto. Já repararam? Pelos shoppings e internet da vida- atualmente - está anunciado por um terço do preço original, com a indefectível presença de um velho atleta americano de oitenta e tantos anos ( que ninguém ouviu falar) arrotando saúde e - bem despretensiosamente - ajudando a vender . Besta do jeito que sou, comprei esta fúria antieconômica, devastadora e gastadora de alimentos. As massas, as polpas vão tudo para a lixeira e só sobra um dedinho de suco pra você tomar. Sem falar da sujeira que fica e entope as pias, a paciência nostra e das empregadas. Pra finalizar, já está no box da garagem, enfeitando retalhos de azulejos e latas velhas de tintas usadas. Mas, como eu ia dizendo... chegou o liquidificador em Montes Claros. E as mães enchiam a garotada de um novíssimo suco liquefeito que , nos primórdios entusiásticos da grande novidade, chamou-se coquetel. Sabiamente, mais tarde, em Montes Claros, tornando-se chique, “cocktail” assumiu sua verdadeira identidade, estrangeirada mistura de bebidas finas e título da famosa coluna social do grande e saudoso Laércio Vitaliano Pimenta, mais conhecido como Lazinho Pimenta, meu eterno colega de JMC. Passada a moda, denominou-se vulgarmente vitamina ( e é assim que o chamam até hoje, no interior e também nas capitais, se querem saber de cultura inútil). Todo dia, toda hora, lá vinha a vitamina. Uma festa em todos os lares montesclarenses. De tudo o quanto havia na dispensa. Beterraba com cenoura ( argh, ficava vermelha) , tomate,banana, umbu ( sete por um mil réis) tudo era misturado e empurrado goela abaixo na gente. Mas - com muito amor e carinho de mãe - era até gostoso. Lá em casa, só foi usado o copo de alumínio, dos dois que acompanhava o kit original.. O outro – o de vidro - para não quebrar, mamãe guardou, bem guardado, em lugar inalcançável e não sabido, que até nos fez esquecer que existia outro. E , nesse tempo todo, sempre usou-se o de alumínio , que resistiu anos, amassado, batido, mordido de cachorro, perdido e achado uma dezena de vezes. Quando mamãe partiu no início deste século ( que Deus a tenha), uma tia remexeu nas coisas dela num guarda-roupas antigo e achou o copo de vidro.. Ainda enrolado naquele papel branco e felpudo de fábrica e sem nenhum arranhão. Um choro só, lá em casa. Abraços a todos. Flavio Pinto
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