Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.
Clique aqui para exibir os comentários
Os dados aqui preenchidos serão exibidos. Todos os campos são obrigatórios
Mensagem: Um cometa passou por aqui Alberto Sena Ele estava durango kid. Telefonou-me dizendo se eu conhecia alguma pensão próxima da Santa Casa de Belo Horizonte. Precisava fazer exames pra massagear o marca-passo do coração. Havia a possibilidade de ter de trocá-lo. E de certo modo, ele parecia tenso. E não era para menos, mesmo em se tratando de uma pessoa experiente em matéria de vencer dificuldades. Entendi tudo isso como sendo uma maneira matreira da parte dele de se convidar pra ficar lá em casa. Só que não estávamos preparados para receber hóspede algum a começar do fato de não haver quarto disponível. Pensei rapidamente nas opções de improvisar alguma coisa e disse a ele. Expliquei e ele entendeu se sujeitando a passar mal lá em casa. Tive que arranjar um colchão e o estendi no terceiro quarto que faço de escritório. Reposicionei o sofá empurrando-o para o outro lado e mesmo que mal servido, ele disse estar bem acomodado. Não sei se ele pegou ônibus lotação para chegar lá em casa ou se veio da Rodoviária a pé. Pelo jeito, suado como estava, meio ofegante, deve ter vindo a pé para economizar a passagem. Parecia esfomeado. A hora do almoço já havia passado e as louças já estavam na geladeira. Ele disse que não precisava esquentar nada. Tinha o costume de comer comida gelada. “Comigo não tem esse negócio, não”, disse. Eu fiz de conta que não ouvi e o pedi pra esperar um pouco e esquentei toda a comida. Ele se serviu e comeu feito um frade ou um mago? Satisfeito, foi ao escritório dar uma vasculhada nos livros hibernados na estante. Gostou do que viu. Folheou alguns clássicos da literatura e, enfim, pegou um livro de Guimarães Rosa, Sagarana, se não me engano e pediu licença pra ler. Leu enquanto eu trabalhava. Sílvia não estava em casa. Quando ela chegou, ao final da tarde, preparou um farto café e mais tarde um jantar com caldos, de modo que ele, com o jeito característico, por todos conhecidos, filosofou com pôde. Debulhou o esoterismo e até mesmo desceu aos tempos em que os ditos bruxos foram executados em nome da inquisição, na Idade Média. Falou das décadas passadas quando se embrenhava pelo sertão vivendo todas as dificuldades possíveis e correndo todos os riscos trabalhou pelas bandas do Piauí em lugares sem lei. Aliás, lei havia, a do mais forte. Sobrevivera, claro. E a prova disso era o fato de estar ali à mesa conosco. A conversa se estendeu até mais tarde e já com sono, ele e nós fomos dormir. Durante à noite percebi que ele foi ao banheiro e se levantou cedo. Encontrei-o sentado no sofá lendo um livro. Conversamos sobre literatura. Ele falou dos planos de publicar uns livros. Ainda disse a ele que o estilo dele estava mais para Gabriel Garcia Marques e pareceu ter ficado lisonjeado. O texto dele tem sustança. É como uma iguaria condimentada. Ele sabe ser incisivo quando assim é necessário. Tem humor. Pra dizer a verdade, o texto dele tem todos os ingredientes necessários para pescar o leitor desde a primeira frase. Sílvia o levou de carro ao Hospital das Clínicas. Perguntou se queria que ela o esperasse. Ele disse que não precisava e só retornou lá em casa pra buscar os pertences. Recusou carona até a Rodoviária, optando por ir de lotação porque ainda estava cedo para tomar o ônibus de volta para Montes Claros. Depois desse dia encontrei-o outras vezes em Belo Horizonte e em Montes Claros. Juntamente a outros companheiros, participamos do livro “Os filhos do dragão cospem fogo”. Era irrequieto. Parecia ter necessidade de estar sempre fazendo alguma coisa. Parecia ter pressa. Sabia que as extravagâncias feitas na juventude e no período vivido no Nordeste lhes deixaram uma marca indelével: marca-passo no coração. Intelectual, ele tinha o dom de conquistar as pessoas com a sua cultura e maneira fácil de lidar com os semelhantes. Tinha mente religiosa. Sabia retirar da Bíblia Sagrada e de outros livros os ensinamentos que mais tarde poderiam lhe valer mais uma crônica para satisfação dos seus seguidores, desde os frequentadores do Café Galo ao leitor que se encontra no mais recôndito do sertão norte-mineiro. Ele foi um cometa. Passou no meio de nós. O cometa se foi, mas deixou rastro de luz para iluminar pessoas de boa vontade.
Trocar letrasDigite as letras que aparecem na imagem acima