Receba as notícias do montesclaros.com pelo WhatsApp
montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 24 de novembro de 2024
 

Este espaço é para você aprimorar a notícia, completando-a.

Clique aqui para exibir os comentários


 

Os dados aqui preenchidos serão exibidos.
Todos os campos são obrigatórios

Mensagem: A vida é um momento que passa A velha casa acolheu-me novamente. E lá estava ela, tia Dulce, sentada à mesa, no cotidiano café das quinze horas. Desde menina, quando ali entrava no meio da tarde, aquela grande mesa estava sempre posta. Antes, com as doze cadeiras ocupadas - café bem forte, para meu avô, café doce para o resto da família. Nesta quarta-feira, de um junho acinzentado, lá estava a mangueira centenária, plantada pela escrava forra, a Joana, que a deu de presente à família, quando foi visitar vovó, pelo nascimento do filho mais velho, Antônio. Já está dobrando os galhos, plenos da melhor manga comum que já provei, de um doce só encontrado em casa dos avós. Ali, em conversação com tia Dulce, esqueci-me de olhar os ponteiros do relógio e deixei que minhas vistas percorressem o jardim interno, sempre muito verde e florido. Tudo estava ali, em verde e beleza, e muito faltava. Vez ou outra, tia Dulce interrompia a conversa e, com os olhos cheios d`água, perguntava: ´Cadê Tatá?´. Minha tia Tatá, Maria Clara na pia batismal, querida tia Tatá, para os sobrinhos, foi uma das que nos deixaram há pouco tempo. Era presença forte, bem-humorada, guardiã das memórias que agora se fixam na casa antiga, nas paredes de retratos, nas louças, no aquário de peixes ornamentais, nas três cadeiras dispostas na sala de televisão- uma para tia Célia, outra para tia Tatá, a terceira para tia Dulce... Também é forte a lembrança das grandes festas, quando a casa se abria para as celebrações, aniversários dos avós, natais, e um cheiro de pernis, tortas e bolos e outras muitas iguarias para uma família que se reunia, feliz, em torno da mesa farta. Falamos das festas, pedi algumas receitas - aquelas que aqueceram meu coração de menina -; e meus olhos se deslocaram para os painéis de retratos comemorativos, fotografias da família nas festas juninas, ´as festas das tias´, que reuniam as centenas de descendentes do português Jayme Rebello. E tia Dulce, silenciosa e diligente, ornamentava os dias com arranjos de flores e frutas, presépios enormes para celebrar o nascimento de Cristo. Até fabricou uma gigantesca árvore de natal, que preenchia a sala principal de luzes e cores, nos mágicos natais da infância. Há alguns anos, a casa era habitada por ela e tia Tatá. Há alguns anos, eu percorria os quartos fechados com misto de gratidão e dor. A sala, a enorme sala de jantar central, porém, está sempre aberta, para todos da família que por ali passam. Ainda hoje sentei-me ali, vendo as luzes da tarde entrar pela janela, iluminando a mesa e minha alma. Ouvi os passos de tia Tatá, o louro cortando a manhã com seus gritos: ´Quer café, Louro? Coitado de Louro´. Soube que ele foi enterrado entre as folhagens do jardim. Senti o cheiro das linguiças assadas, o rumor de Nero passando entre minhas pernas, Vovó sorrindo docemente em sua cadeira, vovô em pé, perto da porta, olhando com orgulho a casa cheia, tia Célia acariciando com ternura a cabeça do canarinho. Depois, foram se achegando tia Olga, tio Jayminho, tia Carmem. Tio Toninho veio depois, de forma mais barulhenta; tio Fábio, com riso perspicaz, trazendo notícias; tia Lúcia, com serena dignidade, tia Vera, com seu olhar generoso... Todos que já se foram, todos estavam ali, conosco, sentados em torno da mesa. Tia Dulce, com olhar úmido, repetiu: ´A vida é um momento que passa; o resto é fumaça´. Havia mais versos que eu, no afã de viver o momento, não registrei, nem anotei. Tentei reter entre os dedos o breve momento da vida. Tia Dulce, a casa de parte da minha vida, o fio tênue do tempo. Nunca saberei mensurar as horas em que ali estive. Para mim, foi grande, foi enorme, foi infinito. Dentro da tarde coube tudo, além da minha saudade e do meu amor. Deixei meus dedos correrem amorosamente pelos móveis. Fui embora, com lágrimas nos olhos. Não sei explicar por que motivo chorei. Mas eu disse ´Até logo, tia!´. E é assim que tudo se encerra. Ou começa. Para meu pai José Roberto, para tia Izabel e para tio Geraldo, com meu afeto. Ivana Rebello. 08/06/2022.

Preencha os campos abaixo
Seu nome:
E-mail:
Cidade/UF: /
Comentário:

Trocar letras
Digite as letras que aparecem na imagem acima