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Mensagem: SOB A LUZ LILÁSCinco e trinta da matina, cheguei cedo para ver a praça acordar ao luso-fusco. Céu carregado, nuvens vermelho-rosáceas se misturam ao lilás dos holofotes que iluminam a fachada da igreja Matriz e fazem brilhar as paredes do casarão colonial do saudoso Benjamim Rêgo. O ambiente desperta uma áurea mística, como pano de fundo.Passam pelos passeios moradores em caminhada e aposentados já estão sentados à porta do ECT, esperando a abertura do Banco Postal. Logo chegarão distribuidoras de propaganda de bancos de empréstimos, vendedores da palavra do Senhor e fabricantes de salvação das câmaras do Inferno.Nos anos 60, dormíamos ainda vestidos de terno, nos bancos dessa praça vindos das festas do AC e, cedinho, comíamos o pão quentinho da padaria de Antonio Brito, ali perto. Nestor, o vigia do posto de gasolina, ainda em pé com a sua capa colonial e o rádio portátil, ouvindo na ZYD7 música e até os noticiários internacionais. Uma fonte segura, para sabermos das notícias da noite e do mundo.Jovens passam montados em bicicletas trafegando em velocidade pelo logradouro, colocando em risco a vida dos idosos em busca dos laboratórios de análises e clínicas próximos. O sino eletrônico toca imitando as badaladas do original, ferindo os nossos ouvidos e o nosso coração com essa desarmonia musico - sentimental, a evocar a saudade de velhos e saudosos sons, nos velhos e saudosos tempos...Não mais vemos a missa vespertina do palácio do Bispo, com a sua decoração colonial. Não mais ouvimos os chilros dos beija-flores do viveiro doado pelo rei Chateaubriand. No seu lugar, ergueu-se um descorado coreto em que moram e dormem notívagos e moradores das ruas. À noite, os bancos da praça são palcos de preliminares da galera GLS, que pulula nos bares da moda próximos.Afinal, a alma é escrava do amor!Sete horas e o ponto negro das ruas Doutor Veloso e Santa Maria já fervilha com carros engarrafados. Frenagens súbitas, alaridos, cantar de pneus... Impropérios! Bem diferente dos anos 60, quando, de manhãzinha, por lá passávamos cantarolando as músicas fixadas nos nossos ouvidos e que restaram das serenatas...Agora, vemos bestas humanas induzidas pela química exógena que voltam das noitadas de embalo e vociferam, gesticulam e urram. Buscam instintivamente o caminho dos seus lares. Veículos de panacas, com o som a toda, compensando a falta de masculinidade no desespero dos “raps”. São míseros flagelados sensoriais, de quem sentimos muita pena...Felisberto Oliveira, Barão de Castruch, o morador mais emérito da praça, lá estava na sacada da sua mansão colonial. Hoje, não mais aparece com o copo de vodka na mão a gritar: “Oi Ceará, vem tomar uma comigo! Tá bem! Olha Ceará, eu só saio daqui com a metade da grana da venda da mansão em mãos! E aí, velho, não vai ter mulher pobre na paróquia! Ou melhor, na arquidiocese!...”.Que grande figura! Uma pessoa queridíssima!Voltou para os mundos súperos sem receber a esperada “bufunfa”, mas levando o seu coração de menino assustado, o sonho de erguer em Montes Claros uma “Cinecittá” tupiniquim, as eternas lembranças e as saudades dos amigos igualmente diletantes, o copo de vodka e o som das badaladas do seu imponente relógio carrilhão francês com vasto pêndulo dourado, grande e lindo. Que marcou, por toda uma vida, as horas felizes que Felisberto viveu e cismou na bela sala estilo rococó de seu bicentenário sobrado, palco da sua morte, com a pompa e a circunstância de um sangue azul.
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