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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 17 de novembro de 2024
 

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Mensagem: O sobrado de Cyro

Manoel Hygino - Jornal ´Hoje em Dia´

Há quinze anos, faleceu Cyro dos Anjos. Ou melhor, não faleceu, apenas deixou de conviver conosco. Sua obra, não muito opulenta numericamente, é das melhores que os mineiros produziram no século passado e das mais belas que o Brasil recebeu daquele mineiro de Montes Claros, nascido em 1906.
Sua prosa é poesia. O que imaginou e via nas cidades mineiras que descreveu em é iminentemente universal.
Ler Cyro satisfaz e sacia, brandamente. Seu estilo é machadiano, castiço, límpido, transparente; ele não camufla, não desvia, não esconde.
Soube contar a história de Santana do Rio Verde, e o horizonte e o pôr-do-sol da cidade que os mineiros inventaram para ser a primeira capital constituída na República. Seu burgo sertanejo era fagueiro, sonoro, de belas luas cheias, de namoros contidos, de paixões calorosas e talvez letais, fez revolução, gerou um presidente que foi de Minas Gerais e de Santa Catarina, mas Cyro era dos Anjos não se deixou crepitar nas chamas dos excessos.
Esse moço fundou uma espécie de romance regional, sem nada a ver com o dos escritores do Nordeste - Zé Américo, Graciliano, José Lins, Rachel e outros. Abriu seu próprio caminho, delimitou sendeiros, com trilhas, mas jamais se perdeu. Traçou itinerário, limpo, sem mato em derredor. Dizem que sofreu influência de Machado. Não sei. E, se o fez, nada a deplorar. Estava com bom guia, falecido dois anos depois do nascimento da cria.
Cantou seu lugar natal, da infância e parte da adolescência, em “Menina do Sobrado”, de que Paulo Narciso tomou a bondosa iniciativa de enviar-me um exemplar.
Belo presente. Só lera até então “O amanuense Belmiro”, um tipo de habitante de Belo Horizonte, cidade de funcionários, embora a mineirada não gostasse do epíteto.
Cândido Canela, poeta, era da mesma geração de Cyro e evocava casos daquela época.
Nozinho não era muito simpático de Benedito Valadares, governador de quem o autor de “A montanha” fora assessor, e tecia finas ironias sobre o conterrâneo. Águas passadas.
Quanto a mim, de outra geração, não apreciava quem tivera alguma relação com Vargas e os que coadjuvaram durante a ditadura.
A literatura de Cyro me fez aproximar. Eu engatinhava na “Gazeta do Norte”, com os primeiros escritos juvenis. Cyro me surpreendeu com uma carta em que lastimava não existir a conversa de fim de tarde à porta da farmácia do Mário Veloso.
Foi a primeira vez que li a palavra “boutade”, que - desde então - me associava ao autor consagrado.
Há quarenta anos, a Academia Brasileira de Letras o recebeu. Foi tempo bom para a cidade natal que, logo, teve dois filhos na Casa de Machado. Poucas cidades do país gozavam desse privilégio. O segundo era Darcy Ribeiro, outra glória do sertão mineiro. Gente boa, a que a cidade deve em obras e prestígio.
Importante período da vida mineira passa pelos livros de Cyro.
Neles se confundem a ficção, o verdadeiro e o veraz, e ele soube trabalhar com singular maestria esse material.
O leitor encontrará Belo Horizonte em fase de crescimento, os escritores que mais se destacaram, e Cyro tudo relata como profundo conhecedor da língua e dos homens, os famosos e os simples, com os quais compartiu o cotidiano, que como todas as épocas não se repete.
A organização do livro “100 anos de Cyro dos Anjos - Vida e obra”, a ser lançado neste 2009, constitui homenagem justíssima de professores da Universidade de Montes Claros. Graças ao interesse e reconhecimento da professor Ilca Vieira de Oliveira, do Departamento de Comunicação e Letras da Unimontes, preenche-se uma lacuna.
Como observou-se o também escritor Haroldo Lívio de Oliveira, ao frustrar-se o escritório de advocacia de Cyro em sua cidade natal, ela perdeu um bom advogado, mas o Brasil ganhou um notável escritor.

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