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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 17 de novembro de 2024
 

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Mensagem: Hermes de Paula: sua adolescência, sua juventude

Ruth Tupinambá Graça

Não há necessidade de mostrar aqui hoje, uma biografia do Hermes de Paula, o médico, o historiador que todos conheceram, o cidadão montes-clarense que durante sua vida só fez o bem e aqui viveu até os seus últimos dias.
Sua vida foi uma história conhecida por todos, páginas belíssimas de um livro aberto, passagem de um espírito cheio de abnegação e amor do próximo, características de sua alma de sertanejo (100% montes-clarense) dando-nos o maior exemplo de solidariedade humana , lutando para o crescimento desta terra que ele tanto amou.
A sua companheira também, a fiel Josefina, que todos conhecem e admiram pela grandeza do seu coração, a firmeza do se caráter, a sua disponibilidade no bem servir, continuando “pari passu” a obra que o Hermes iniciou.
Portanto, vou falar apenas sobre passagens, que vocês desconhecem da vida de ambos, adolescência e juventude numa reminiscência de velha amiga, parenta e contemporânea.
Hermes era um rapagão elegante, bonito e com alhos muito verdes, olhos tranqüilos que espelhavam sua própria alma.
Andava despreocupado e feliz, sem grandes ambições.
Vivendo numa cidade do interior, sem grandes atrações, sua maior distração era pegar passarinhos no “Beco da Guarda”.
Por ali eles sumiam aos bandos, Hermes com seus companheiros: Jacinto Froes, Pedro Santos, Geraldo de Donato, Cassimiro Tupinambá, Abelardo Câmara, Túlio Froes, Raul Peres, Geraldo Athayde, e outros, com as tradicionais espingardas de cano de guarda-chuva, os bodoques, os estilingues bem caprichados.
A tiracolo um grande embornal com as munições: pólvora, chumbo, pedras de todos os tamanhos, bem escolhidas, complemento dos estilingues, na caça dos passarinhos. Por lá ficaa o dia inteiro e quando matara uma pomba verdadeira improvisava um guisado ali mesmo, à beira do Rio Vieira e o saboreava com os companheiros.
Depois de nadar bastante regressavam felizes. Para o Hermes nada melhor do que aquela excursão, era como se tivesse dado uma volta ao “mundo da fantasia”...
Nesta época o nosso rapazinho já estava com seus 14 anos.
Terminara o curso primário com louvores e distinção na Escola de Dona Alice Costa, a única Escola Particular da nossa cidade.
Percebia-lhe uma grande inteligência que urgia ser cultivada, mas nossa cidade tinha tão pouco a oferecer!...
Ele crescia livre como um pássaro, neste nosso sertão agreste e sem perspectivas.
Hermes era muito estudioso, gostava de ler romances de escritores franceses, que chegavam aqui, ou fascículos semanais como: “Aventuras de Pardilha”, “A Ponte dos Suspiros”, “ O filho de Pardillau”, “Os Miseráveis”, etc, romances vividos na França no tempo da “Guilhotina”, daquela luta tremenda entre a plebe e monarquia, a extravagante burguesia a fala nobreza.
Estes romances eram um acontecimento para todos nós que, já naquela época gostávamos de ler e para tal nos reuníamos em casa da tia Joaquina (mãe do Hermes) pois éramos todos “quebrados”. Ninguém tinha nem pretensão de ter dinheiro. Nossa sorte era o tio Basílio (pai do Hermes) que também gostava de ler e era tão camarada!... ele mesmo ia apanhar, na Banca de Revistas do ‘Zé Curió” (a 1ª de Montes Claros), os fascículos tão ansiosamente esperados. Lia primeiro, depois para o João, depois para o Hermes, e pela ordem de idade, a revista ia passando de mão em mão. Eram muitos os leitores, irmãos e primos que se abancavam na acolhedora casa dos tios Basílio e Joaquina.
Quando mais tarde eu aparecia por lá, o Hermes gentilmente dizia-me: “tem revista nova”, aí era minha vez.
Mas a infância passa depressa e eis que chegamos à adolescência com suas manifestações emocionantes, suas exigências e inclinações. O menino despreocupado de ontem, começa a sentir os anseios e impulsos próprios da idade. A sede de brincar afasta-se para dar lugar a coisas mais sérias e reais.
De repente sente que precisa trabalhar, já é hora de pensar no futuro. Foi o que aconteceu.
Mas numa cidade como a nossa 1 século atrás o que fazer? E como continuar os estudos?
Na falta de um colégio, empregou-se. Por sorte sua, o primeiro patrão foi o Dr. Plínio Ribeiro. O salário era insignificante, mas a lições do Mestre, valiam milhões.
Hermes era responsável e inteligente, seu patrão (que possuía o dom de prescultar a alma) descobriu cedo, que ele prometia grande futuro, começando logo a “lapidar” aquela inteligência em desenvolvimento, imprimindo-lhe o amor ao belo, a arte, a ciência, incentivando-lhe, no espírito, o sentimento humanitário indispensável ao médico, que, aliás, era característica marcante da sua personalidade.
Dr. Plínio Ribeiro foi o seu mestre e nesse contato cotidiano com seu discípulo, sentiu que ele deveria estudar, desenvolveu suas potencialidade numa Escola Superior. Mas como? Seus pais eram pobres. Tudo era difícil e precário em nossa cidade. Hermes ansioso aguardava uma oportunidade para realizar o seu sonho que já era uma obsessão.
A tia Joaquina também alimentava o mesmo sonho. O seu maior desejo era um filho médico, mas os obstáculos eram intransponíveis.
A minha tia era inteligente e já naquele tempo, em que as mulheres eram submissas (julgavam-se inferiores aos homens) e que o seu papel era apenas criar filhos, supervisionar a casa, ela já sentia a necessidade de proclamar seus direitos e a participação da mulher em todos os problemas (financeiros e sociais) da família. E como boa comerciante arquitetou um plano: conseguiu uma agênciazinha da “Loteria Mineira”. No afã de vender e prestar contas diariamente sempre sobrava algum bilhete e ela era obrigada a ficar.
E eis que um dia estourou na cidadezinha pacata a grande notícia: sorte grande para M. Claros. E quem era a felizarda? Joaquina de Paula!...
“Duzentos contos de reis”. Era dinheiro (naquele tempo) que nem ladrão carregava. Foi um alvoroço na cidade: foguetes, banda de música, muito café com biscoito, cerveja, pinga etc.
A família se enriqueceu como um “toque de mágica”! O Hermes antegozava sua ida para o Colégio e tudo se transformou na casa da Rua Dr. Veloso.
Trocaram grande correspondência, opiniões com amigos mais experientes, políticos da cidade e da capital e tudo ficou decidido. O enxoval foi feito às presas e o Hermes iria para um internato – o melhor da época: “O Granbery” em Juiz de Fora. Lá ele se adaptou muito bem tanto nos estudo como nos esportes. Quando regressou, em férias, era outro Hermes. Não era mais aquele tímido rapaz, que se consumia entre o balcão da farmácia e as lições do mestre. Praticara esportes e transformara-se em atleta, muito falante e desenvolvido, num humor admirável, e já com ares de Doutor. As mocinhas da terra se alvoroçaram e ele “mandava brasa”... nas férias
Durante o mês de férias a acolhedora casa da tia Joaqina era cheia de visitas e o nosso “bate-papo” era mais interessante porque ele agora era o professor, procurando transmitir, aos “primos pobres” as novidades do “Granbery” que ele não se cansava de exaltar.
Hermes era um tremendo “pé de valsa” e como não existiam Clubes Sociais em nossa cidade ele improvisava festas com sanfona, com os cultos estudantes em férias. Cobrava 1.000 reis dos rapazes (só para pagar o sanfoneiro) e arrebanhar as moças no celebre “footing da Rua 15”.
A tia Joaquina não se incomodava por sua casa se transformar em clube e o Hermes apenas dizia: “Mamãe, bota mais água no filtro”...
Estas festas de sanfona eram o delírio da juventude daquela época e ficaram celebres na nossa história.. e muita gente ainda se lembra com saudade da
“Cecília meu bem
Cecília meu xodó
Chorou pra ir mais eu
Êta pena, êta dó”
O Hermes muito cedo, demonstrou grande entusiasmo pelo nosso folclore e o exaltava apaixonadamente, cultivando prenuncio do que seria hoje, pois ninguém ignora que, graças a ele, hoje o nosso folclore é conhecido e admirado até no exterior.
Terminando o curso no Granbery, transferiu-se para o Rio de Janeiro e na Faculdade de Medicina, tudo correu maravilhosamente, ocupando sempre lugar de destaque.
Formado foi convidado pelo Instituto Virtual Brasil para continuar trabalhando em pesquisa (onde já vinha fazendo um grande trabalho) com vantagem, mas ele se recusou, preferindo voltar a esta terra que tanto amava. E aqui chegando, anel no dedo, rico, bonito, “boa pinta”, não faltavam candidatas e mães ansiosas, desejando-o para suas filhas “casadeiras”.
O primo Hermes foi mesmo muito cobiçado, mas não resistindo os olhos da prima Josefina (que já estava de “tocaia”) ficou encabulado.
Era realmente uma forte concorrente e justiça seja feita, era bonita para ninguém botar defeito.
Sim, eu a conheci e posso falar como prima, e como companhia desde a infância.
Alta, formas bem delineadas, um rosto muito bonito, pele muito alva e rosada, realçando grandes olhos esverdeados e uma farta cabeleira de um castanho mais puchado a mel, emoldurava o seu belo rosto.
Lá na “Rua de Baixo” (hoje Padre Texeira) ela era uma princesa e conquistava corações. Mas a Josefina era muito presa, o regimem do tio Olimpio na dureza e dizia: “mercadoria exposta não tem valor”. Criava filhas para se casarem e não para bater pernas nas ruas se oferecendo.
Coitada da Josefina!.. Para se espairecer, um pouco, arranjava umas aulas de bordado, corte e costura, flores e esporadicamente dava aquelas “fugidinhas”.
Portanto quando ela aparecia na “Rua de Cima”, fazia aquele sucesso! Todos queriam saber de onde surgia aquela “Cinderela” que, raramente aparecia na Rua de Cima, e fugindo apressadamente, sem que os “jaús” a acompanhasse, pois se tal acontecesse, era certo, ouviria um grande “sermão” e adeus aulas de bordado!
Mas o destino é um velho matreiro e se encarrega de armar as “arapucas” e o cupido se encarregava do resto.
As visitas do primo Hermes, em casa de tia se multiplicavam e as prima Josefina fazendo honras da casa, se desdobrava em atenções. Ele já era um doutor!...
E entre bandejas de café com biscoito, licores caseiros e tudo mais, os olhares se cruzavam, começando aquela linguagem que tudo traduz, deixando transparecer os segredos mais íntimos.
A beleza sem artifícios da prima, seus modos delicados, sua simplicidade, seu jeito de menina tímida, recatada sacudiam o coração do primo Hermes.
As mães dando o maior apoio, torciam e protegiam para que o romance não ficasse só no entusiasmo.
A Josefina desenganando os outros pretendentes, descobriu logo que o primo era mesmo o seu “Príncipe Encantado” e se entregou de corpo e alma, às artimanhas do cupido.
Hermes enfeitiçado até os ossos e se embalando na rede do amor, caiu “como um patinho na água doce”. Quando acordou (com prima não se brinca) estava “amarrado” no Padre e no Juiz.
Foi um casamento perfeito com véu, grinalda e flores de laranjeira e tudo mais que a noiva tem direito”
Desta união nasceram os filhos: Valéria, Valmor, Virgílio e Virgínia.
Hoje estamos homenageando Hermes e Josefina, pois é impossível falar dela sem se lembrar dele. Um está muito ligado ao outro.
Hoje, principalmente, estamos com o coração pertido, sentindo muito a sua ausência e uma grande saudade.
Ele ajudou a fundar o Elos Clube, ele viveu o Elos Clube. Ele adorava o Elos Clube.
O nosso querido Hermes se foi. Talvez ele nem quisesse ir tão cedo, pois pensava em realizar muita coisa!
E amando esta terra como ele amou, deve ter sido levado por Deus, que achou melhor dar-lhe o céu, como recompensa pelo grande amor que distribuiu entre nós aqui na Terra.
A história de Hermes todos conheceu. São páginas belíssimas de um livro aberto, passagens extraordinárias de um espírito cheio de abnegação e amor ao próximo.
É certo, ele se foi. Mas deixou conosco o seu grande amor, Josefina, que durante 42 anos foi a sua companheira ideal. Josefina foi sempre o delicado suporte, entretanto nele apoiado, falando a linguagem do amor; inspirando-se na música, Hermes constituiu maravilhas, pois só o amor constrói e a música é a linguagem do coração.
Hermes e Josefina se completavam. Juntos levaram nosso “folclore”, nossa música, a longínquas paragens, tornando-os conhecidos e respeitados.
Hoje, contemplando-a eu vejo o Hermes. Eles se tornaram tão parecido!...
Eu sei. Todos nos sabemos o quanto ela sofre neste momento, entretanto, o que a consola é a certeza de que onde quer que ele esteja, o seu espírito estará aqui presente entre nós, amando-nos e amando esta terra com a mesma intensidade e ainda mais: ele estará muito feliz sentindo a força e o amor que não pereceu em Josefina que procurou seguir suas pegadas invocando, em todos os momentos a sua presença.
E sentirá também muito feliz e tranqüilo ouvindo esta seresta, que todos nós adoramos, e que infelizmente morrendo o Hermes, a incansável Josefina não deixou que a Seresta também morresse!...
E que certamente, lá do céu, um “coro de anjos” ele acompanha tôo o sucesso desta Seresta que ele criou e tanto amou!...

* Ruth Tupinambá Graça

Membro da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.

(N. da Redação: Ruth Tupinambá Graça, de 94 anos, é atualmente a mais importante memorialista de M. Claros. Nasceu aqui, viveu aqui, e conta as histórias da cidade com uma leveza que a distingue de todos, ao mesmo tempo em que é reconhecida pelo rigor e pela qualidade da sua memória. Mantém-se extraordinariamente ativa, viajando por toda parte, cuidando de filhos, netos e bisnetos, sem descuidar dos escritos que invariavelmente contemplam a sua cidade de criança, um burgo de não mais que 3 mil habitantes, no início do século passado. É merecidamente reverenciada por muitos como a Cora Coralina de Montes Claros, pelo alto, limpo e espontâneo lirismo de suas narrativas).

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