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montesclaros.com - Ano 25 - sábado, 16 de novembro de 2024
 

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Mensagem: A sapataria de Tião Boi

Com a idade, descubro que estou cada vez mais enraizada na minha terra e tento seguir a velha sabedoria de Tolstoi “Se quer ser universal canta a tua aldeia”. E, é o que tento tentado fazer. Montes Claros não é uma cidade, é um estado de espírito. É uma frase feita, mas é verdade.
Lendo a encantadora crônica “Viagem pelas ruas de Montes Claros”, de Raquel Souto Veloso, senti uma saudade boa, sem ranço de saudosismo. Um ventinho inesperado soprou e trouxe aquele pedaço da Rua 15 (Presidente Vargas) entre Afonso Pena e Dr. Veloso, onde nasci e vivi. A vida consegue reduzir décadas a fragmentos, a breves “insights”. Quando ela se referiu a Tião Boi, na sua sapataria do tamanho de um ovo, cheia de rapazes, não resisti e pensei: tenho que escrever sobre o amigo Tião, nosso vizinho querido que chamava mamãe e suas irmãs de tia. A sapataria era um reduto masculino, um clube do Bolinha. Eu a freqüentava para Tião colocar meia-sola nos meus sapatos para durarem mais seis meses, ou chamar Paulo – meu irmão-, naquele tempo, Paulinho.
Pedi a Paulo para descrever como era a sapataria, o relacionamento de Tião com a meninada, quem a freqüentava, etc...
A sapataria de Tião era o Templo do Futebol. Flamenguista doente, Tião Boi não admitia nenhuma crítica ao seu Time do Coração. Tinha normas severas para aquele local: não permitia palavrões, orientava os meninos para estudarem. Tião Boi era o técnico de futebol de salão do Cassimiro de Abreu, função que exercia com a maior responsabilidade. Antes das partidas, fazia uma pré-seleção tão demorada que aumentava a ansiedade dos seus pupilos. Também um de seus maiores orgulhos, era ter formado no Tiro de Guerra 87 com zero ponto, onde foi colega de Bonga e de Rui Mai A memória, às vezes, nos faz cometer injustiças, mas lembro da meninada/rapaziada que freqüentava a “Sapataria Nossa Senhora de Fátima”.
Dêca Rocha, Fernando Gontijo, Dim Pimenta, Bráulio, Lourinho, Nelson (filho de Seu Santinho), Eunilson Neguim, Antonio Carlos Dias (Tone), Felipe Gabrich, Paulinho – que eles apelidaram de cães, não sei por que – Dinga Pinheiro, Ronaldo Alcântara, Augustão Bala Doce, Flávio Pinto e Tak Maia. Se esqueci algum, não foi por querer.
Naquela pequena sala, ficava a banca de Tião, e ao lado bancos e tamboretes onde essa rapaziada ficava. Na parede, um quadro de Nossa Senhora de Fátima e do time do Flamengo.
De vez em quando, Tião aparecia em nossa casa, tomava seu cafezinho, e muitas vezes consertava a bucha de uma torneira, trocava um fusível. No final do ano, vinha todo orgulhoso me contar: - Carminha, esse ano vou formar cinco: dois médicos, dois engenheiros e um advogado. Ele sentia como se tivesse contribuindo de alguma maneira na formação desses jovens que conhecida desde adolescentes.
Às vezes, na sapataria, acontecia algum fato jocoso. Tião Boi tinha uma alergia fortíssima por sapos e gias. Bastava só enxergá-los para empolar imediatamente. José Américo Soares (Nonô) era dono do Mangueirinha e mandou para ele uma caixa. Nesta caixa, uma enorme gia pulava, e Tião empolou na mesma hora e por muitos dias curtiu raiva de Nonô. O tempo passou. Tião Boi partiu para a Pátria Eterna; deve ter se encontrado com Dêca Rocha, Fernando Gontijo, Dim Pimenta, Lourinho e, acredito que continuaram cultivando a paixão pelo futebol e por Montes Claros. A sua meninada/rapaziada seguiu caminhos diferentes, carreiras diversas, realizaram sonhos, outros não; tenho certeza que eles guardam essas lembranças permeadas de felicidade. Tião Boi, coisas simples que nos prendeu a raiz indicam: sou desse lugar, pertenço a ele, por mais que tenho andado; e, ao lembrar-me de você, na sua sapataria, minhas raízes se fortalecem mais ainda.

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