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Mensagem: Quando cabelo pode virar cobra Alberto Sena* Era o aniversário de Ladinha, minha irmã, e talvez por isso, em espírito, estive em Montes Claros, dia três de março, já que fisicamente não podia ir, e revisitei a casa onde ela mora com Wanda, que veio ao mundo logo antes de mim, e foi como se abraçasse uma e outra. Depois da visita, do tipo “vim buscar fogo”, aproveitei para esticar a viagem e rever pontos marcantes de Montes Claros, aqueles que continuam intocados na lembrança, porque alguns já se tornaram pó. Foi quando me detive na Praça da Matriz e revi os fícus do seu contorno; sentei-me em todos os bancos em busca das minhas impressões digitais; senti o perfume das rosas; admirei a perspicácia do beija-flor que uma a uma visitou as flores dos jardins. E não contive o ímpeto de adentrar a Igreja Matriz de tantas missas, cruzadas, casamentos e sextas-feiras da Paixão. Pedi a Deus: “tem misericórdia de nós e do mundo inteiro” e saí depois de fazer a genuflexão e me dirigi à Escola Normal lá atrás. Esta foi uma das boas partes da viagem astral. A escola se encontrava do mesmo jeito de quando iniciei o curso ginasial. Quer dizer, pouco em pouco caindo aos pedaços. Já naquela época, dei a minha contribuição para sensibilizar o governador Magalhães Pinto a construir nova Escola Normal, e de fato foi construída, na Avenida Mestra Fininha, e foi batizada com o nome do filho dela, o imortal Darcy Ribeiro. Ali, diante das velhas portas da vetusta escola, lembrei-me do dia em que nossa turma parou o carro do governador Magalhães Pinto, bem em frente onde eram os Correios, e com a cara dentro do carro, pedi: “Governador, manda construir a nova Escola Normal”. Foi quando constatei, de fato, que ele se parecia com o ator norte-americano, nascido russo (morreu em 1985), Yul Brynner (Taidje Kahu), cabeça desprovida de cabelos. Ele nos fez sinal de positivo com a mão e saímos correndo, gritando de alegria, aquela alegria que todos experimentam quando se vive a adolescência. Com a mesma rapidez em que em espírito fui a Montes Claros “buscar fogo”, voltei, e me vi sentado em frente ao computador e dedilhava as teclas, movido pelas lembranças daqueles anos, politicamente, sob os coturnos militares resultantes do ainda recente golpe de 1964. Lembrei-me de certas pessoas do sistema imposto que de tudo faziam para impingir nas cabeças o terror comunista: “eles comem criancinhas!”. Lembrei-me dos professores, grandes personagens. Marcaram gerações, como Francolino, Terezinha Guimarães, Dulce Sarmento, Márcio Aguiar, Pedro Santana, Rameta, Joãozinho, Juvenal e, principalmente, Yvonne da Silveira, além de outros. Escrevi principalmente Yvonne da Silveira porque, no meu caso, ela marcou passagem pela minha vida ao declamar, vezes várias, o belo poema de Jorge de Lima, “Essa Negra Fulô”, que se inicia assim: “Ora, se deu que chegou (isso já faz muito tempo) no bangüê dum meu avô uma negra bonitinha, chamada negra Fulô. Essa negra Fulô! Essa negra Fulô! Ó Fulô! Ó Fulô! (Era a fala da Sinhá) — Vai forrar a minha cama pentear os meus cabelos, vem ajudar a tirar a minha roupa, Fulô! Essa negra Fulô! O poema segue, e a quem interessar possa, está acessível na internet. Quero com isso dizer que dona Yvonne declamava com muita garra. E ainda hoje deve recitar o poema de Jorge de Lima, com a mesma competência e plástica, a mesma pantomima que tanto marca a alma dos poetas. Pensava comigo mesmo: “Jorge de Lima deve se sentir orgulhoso de ver uma pessoa recitar os seus versos com tanto realismo; fantástico realismo!” Agora, com o pé no chão, cara a cara com a realidade, essa realidade ilusória, em verdade, chego à seguinte conclusão: posso até não me ter saído tão bem na vida, mas não tenho como negar, eu nem os meus colegas de ginásio – se me dão licença, cito alguns: Ricardo e Fernando Deusdará, Carlos Alberto Prates, Alberto Graça, Marco Antônio Rocha, Antonilda Canela, Oselita Barbosa, Virginia Barbosa e Saulo Wanderley, entre outros – tivemos bons professores. Francolino, um deles, lecionava Biologia e Geografia. Numa vez, na aula de Biologia, uma das nossas colegas, hoje médica (o nome dela não está na lista acima), interrompeu a aula para perguntar: “Fessor, é verdade que cabelo dentro d’água, por muito tempo, vira cobra?” Claro que a turma não a perdoou. Caiu na gargalhada. E Francolino, tez sisuda, mandou-a fazer a experiência e apresentar o resultado à classe. * Jornalista
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